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Resposta to "A Vingança de Frederico: o sentimento que transformou o mundo"

A MORTE RUSSA BATE À PORTA: O COMEÇO DO FIM PARA FREDERICO

Mas em 1761 começou a hecatombe do Moral Fredericano e o rei, pela segunda vez desde Kunersdorf, começou a vacilar perante o reforço russo de 77.000 soldados marchando em conjunto com o restante dos austríacos, também completamente exauridos. A Prússia Oriental, a nordeste, já estava completamente tomada, e de território só lhe restava Brandemburgo, que desde 1758 vinha sofrendo atritos por parte da Suécia. O reino nórdito, mesmo com pouquíssimas tropas para lutar, conseguiu êxito na maioria das batalhas em que lutou contra os prussianos. O resgate da Real Marinha Britânica nunca veio, e toda a costa prussiana do norte ficara exposta à Real Marinha Sueca, que destroçara as poucas esquadras prussianas que defendiam seu território marítimo. O atrito contínuo sueco durou longos quatro anos, terminando apenas em 1762, quando os russos já tinham tomado praticamente todo o território prussiano. Frederico, com menos de 24.000 soldados, esperava a sua última batalha contra mais de 80.000 russos e outros tantos austríacos. Mais uma vez escrevera cartas de despedidas a seus irmãos e generais, em especial para seu irmão preferido, o Príncipe Henrique (que também era seu general) prometendo que, se os russos invadissem Berlim novamente, ele se suicidaria. Felizmente a Áustria desde 1760 não avançava contra a Prússia, pois não havia qualquer recurso humano ou financeiro de reunir um exército e marchar. Maria Teresa dirigiu suas orações aos russos, decididos a invadir e arrasar Berlim a pedido da Imperatriz Isabel. A ordem era destruir toda construção que houvesse na cidade, executar Frederico e espoliar a Prússia.

E foi justamente graças a Isabel que Frederico viu o desfecho da guerra modificar completamente ao seu favor. Em 5 de Janeiro de 1762 a Imperatriz Russa morreu após reclamar de  fortes dores de cabeça e se recusar a tomar remédios. O herdeiro da Imperatriz agora morta, seu sobrinho Pedro, era um grande admirador de Frederico, e encontrara-se com ele durante os tempos de paz, na década de 1740. Frederico quem o apresentara à jovem prussiana chamada Catarina de Anhalt, filha de um dos seus nobres marechais, o Príncipe Cristiano Augusto von Anhalt-Zerbst. Graças à ajudinha do Fritz que Pedro e Catarina casaram-se em Agosto de 1745.

 O MILAGRE DE BRANDEMBURGO: FREDERICO RESPIRA ALIVIADO

Com a subida de Pedro ao trono imperial da Rússia, sucedendo a tia morta, seu primeiro ato foi o de exigir o imediato recuo do grande exército russo, ordenando-o a não invadir a capital prussiana, Berlim. Com um édito, Pedro III fez com que a Rússia mudasse de lado na guerra: passou de inimiga de Frederico para aliada, e ainda ofereceu 12.000 soldados para reforçar as colunas fredericanas que tentavam resistir contra o último avanço austríaco, vindo da Saxônia. Esse acontecimento, a morte da Imperatriz Isabel e a subida ao trono de um admirador de Frederico, ficou conhecido como o Milagre de Brandemburgo, a morte que fez o rei prussiano respirar aliviado.

A Áustria, surpreendida com uma aliança inesperada entre russos e prussianos, decidiu desistir de uma vitória decisiva contra Frederico. Maria Teresa enviou embaixadores para São Petersburgo, capital russa, e pediu um tratado de paz, que não veio, pois Frederico ainda insistia em retomar a Saxônia e a Silésia. E depois de retomá-las ao longo de 1762 após o Tratado de Hamburgo e o de São Peterburgo, ambos em Maio daquele ano, que respectivamente retiraram Suécia e Rússia oficialmente da guerra, Frederico expulsou os austríacos pela última vez após a Batalha de Freiburg e seu nome foi finalmente gravado no pedestal da história.

Frederico e seu novo aliado, Pedro III, começaram a arquitetar um ataque conjunto contra a Dinamarca, que não deu certo: o Imperador russo foi assassinado pelo amante da sua própria esposa, no mesmo ano da aliança com Frederico, em 1762. A paz definitiva entre Maria Teresa e Frederico veio com o Tratado de Hubertusburg, em Fevereiro 1763. A Imperatriz e Luís XV desistiram finalmente de conspirar contra a Prússia, que já figurava como uma reconhecida potência política e militar numa Europa continental que antes era dividida apenas entre França, Áustria e Espanha.

AS CONSEQUÊNCIAS DE SE TER UM FREDERICO COMO REI

Áustria e França, extremamente arrasadas com a guerra, experimentaram uma rápida decadência social e política, enquanto que a Prússia sob Frederico passou a experimentar o Despotismo Esclarecido, que, ao final das contas, diminuiu as tensões sociais e permitiu que a rápida ascensão dos valores iluministas relativizassem as ondas revolucionárias de mais tarde. Com Frederico a Prússia experimentava há pelo menos quatro décadas o xarope iluminista que, em outras nações, especialmente na França, virou veneno. A política iluminista fredericana de liberdades religiosa e econômica, de igualdade jurídica e de fraternidade social, tão exaltada por filósofos como Immanuel Kant — que nomeou o século XVIII como O Século de Frederico —, somada à hierarquia militar e ao grande apego ao espírito da pátria (heimatgeist), tornaram aquele continente, e consequentemente todo o resto do mundo, tão diferente do que jamais fora. O homem Frederico e o Reino da Prússia modificaram o mundo a partir de então. Motivado por vingança contra a morte do seu amado, que ele sempre atribuía responsabilidade aos austríacos, ocasionou quatro guerras consecutivas — nas quais venceu todas: três por habilidade e sagacidade, e uma por sorte. Ainda foi o arquiteto da Partilha da Polônia de 1772, que fez o país desaparecer por 200 anos, junto com José II do Sacro-Império. Frederico ainda ajudou os americanos em sua independência, ao receber John Adams em Sansouci e enviar, em 1777, o Barão von Steuben, um dos seus generais na Guerra dos Sete Anos, para treinar o Exército Continental sob comando de George Washington — que saiu vitorioso contra os britânicos, fundando, assim, os Estados Unidos da América.

Frederico passou o resto da sua longa vida em Sanssouci, um palácio de arquitetura rococó construído especialmente para ele. Sem Preocupação, na melhor tradução do francês, era o lugar do seu merecido descanso. As consequências das guerras que ele causara repercutiram sobre povos do mundo todo, e a Guerra dos Sete Anos (a efetiva Primeira Guerra Mundial da humanidade graças à sua presença nos quatro continentes até então conhecidos) lhe trouxe a tão merecida vingança contra os austríacos.

A única preocupação do seu povo agora era com a descendência do rei. Embora Frederico fosse casado com a Duquesa Isabel Cristina de Brunsvique-Volfembutel-Bevern, eles nunca dormiram juntos, tampouco conceberam um filho. Em tempo de paz Frederico a via apenas uma vez por ano, por algumas horas, e no restante do tempo a ignorava completamente. Ele nunca a convidava para conhecer Sanssouci, e tampouco ia ao Palácio de Schönhausen, onde ela morava, para visitá-la.

Corriam boatos de que o Rei fosse homossexual, ou no máximo assexuado, mas sua orientação nunca ficou comprovada. Toda a sua história de vingança pela morte do tenente von Katte promoveu as mais diversas teorias sobre Frederico, mas muitos consideram que sua atitude foi puramente técnica e política, aproveitando-se de um momento de fraqueza extrema da Áustria numa crise sucessória, da qual ela só voltaria a levantar-se após o Tratado de Viena de 1815 que fez retornar o absolutismo na Europa.

Em 1806, após invadir a Prússia com um exército avassalador, a primeira localidade que Napoleão Bonaparte visitou na recém-conquistada Berlim foi a tumba de Frederico. Ali, com uma mão descansada sobre o sarcófago do Rei da Prússia, ele disse aos seus generais: “Senhores, se este que aqui jaz estivesse vivo, dificilmente estaríamos aqui”.

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O Velho Fritz, como era chamado, morreu em 17 de Agosto de 1786, caduco e impossibilitado de andar ou de falar. Voltou a ser um bebê. Foi sentado em sua poltrona, após ter sido alimentado com sopa de batatas, olhando para lareira, que ele partiu aos 74 anos. Sanssouci, em Potsdam, o seu refúgio das preocupações, foi também a sua última morada. Ali ele mandara enterrar seus cachorros, mandara construir o Templo da Amizade em memória de sua irmã favorita falecida tão precocemente, Guilhermina da Prússia, e em memória do seu eterno amado, von Katte.

A EUROPA NÃO SERIA EUROPA SEM FREDERICO

Seu espírito enobrecido, quase que transparente aos olhos dos grandes homens de seu tempo (Voltaire, Kant, Pedro III e Napoleão foram homens que lhe saudaram com palavras e ações), foi laureado até mesmo pelos inimigos. Seja qual tenha sido as verdadeiras intenções de Frederico em promover uma verdadeira máquina de guerra que resistiu a austríacos, suecos, franceses, saxões e russos durante anos, para unificar a Alemanha sob o trono da Prússia (que só viria a acontecer 84 anos após a sua morte, em 1870) ou para vingar-se dos austríacos pela morte do amado, as consequências vieram à galope: o Estado prussiano, militar e iluminista, desenvolveu-se tão cedo que sua burocracia fundou um novo tipo de estado moderno: o estado burocrático, que deu suporte ao fortalecimento da conduta e da política alemãs. Sem Frederico a Prússia com certeza não teria resistido por muito tempo, e outro Estado alemão, talvez a tradicional Baviera, teria promovido a reunificação muito tempo depois. Possivelmente ainda veríamos uma Alemanha fragmentada sem a liberdade religiosa promovida por Frederico na Prússia e sem sua ofensiva tradução de anexação. Sem ele, a Áustria teria mantido sua hegemonia sobre os Estados alemães satélites por muito tempo e concentraria esforços contra os turco-otomanos e contra os estados italianos, suas verdadeiras preocupações antes da repentina invasão prussiana aos seus territórios. Se Frederico Guilherme tivesse executado o próprio filho, como ele queria, as chances da Rússia apossar-se da Europa Central seriam muito maiores, e a Polônia teria desaparecido mais cedo, e a presença russa modificaria cultural, econômica e politicamente toda a região. Sem as reformas iluministas que Frederico instituiu em seu país, o modelo de Despotismo Esclarecido, ou Absolutismo Iluminista, nunca teria ocorrido, e revoluções liberais ao estilo da Revolução Francesa teriam estourado mais agressivamente em outros grandes centros além de Paris, como Viena, Berlim, São Petersburgo e Lisboa (onde déspotas esclarecidos como José II da Áustria, Catarina da Rússia e Marquês de Pombal lideravam). O mundo seria completamente diferente do que ele é hoje.

Outras tantas consequências indiretas sem a presença do brio fredericano teriam ocasionado, mas isso só pode ser considerado por meio de uma grande abstração. A verdade é que sentimos sua presença, embora Frederico tenha morrido há mais de duzentos anos. Nós, Ocidentais, deveríamos observar melhor os homens que transformaram o nosso destino. Um deles foi Frederico, que colocou os alemães prussianos no eixo do mundo depois de entregar a eles as glórias da vitória de quatro guerras. Resta citar o que disse Voltaire sobre Frederico quando ainda residia em Sanssouci:

“Aqui se pensa com ousadia, é-se livre (…) 150.000 soldados; (…) ópera, comédia, filosofia, grandiosidade e graças, granadeiros e musas, trompetes e violinos, os jantares de Platão, sociedade e liberdade… quem iria acreditar? No entanto, é a mais pura verdade. Nada me aborrece (…) Encontrei um porto depois de cinquenta anos de tempestades. Encontrei a proteção de um rei, a conversação de um filósofo, os encantos de um homem agradável, reunidos em uma só pessoa que durante dezesseis anos me consolou no infortúnio e me protegeu contra meus inimigos. Se se pode ter certeza de alguma coisa, é do caráter do rei da Prússia.”

Frederico não perdeu nada existindo. Viveu tudo o que um homem do seu tempo poderia viver. Ele agora figura entre os grandes disseminadores de mudanças, como Alexandre, César e Napoleão. Ao contrário do que acontecerá com a maioria absoluta de nós, que deixaremos de existir quando morrermos, Frederico não acabará e repercutirá sua existência, mesmo tendo morrido na sua poltrona no Verão de 1786.

Nós, reles mortais, ao menos passamos pela vida e conhecemos que homens assim existiram, homens eternos. Nós desta geração morreremos e as futuras nascerão, e elas continuarão a se lembrar dos atos d’O Grande Rei Prussiano enquanto nossos ossos virarão pó debaixo da terra.

FONTE:   https://melancoliacircundante....transformou-o-mundo/

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