Skip to main content

Senhores,

Eu comentei sobre o relato a seguir, no tópico do Assef “Banco de Couro e extintores alemães”. E para não poluir demais o tema dele, abro esta postagem para contar uma história interessante a respeito do veterano de guerra alemão que conheci, há muitos anos.

Aconteceu por volta de 1983. Eu costumava levar meu Passat TS para revisão na concessionária VW Tianá, em Vila Isabel, no Rio. Cheguei a ficar conhecido por alguns atendentes de tanto revisar lá os carros da Volks que tive, durante um bom tempo. Um dia, enquanto eu esperava o atendente bater meu orçamento, vi que eles tinham posto em exposição um impecável motor antigo de fusca sobre um cavalete, no centro do saguão de atendimento.

Eu estava justamente montando meu Kubelwagen 1/9 da ESCI. Na época era um kit de luxo, de modo que eu procurava caprichar em todos os detalhes. Achei um barato constatar que o motor do kit era idêntico em quase tudo ao motor de verdade, então comecei a tomar nota dos vários detalhes que via, num pedaço de papel. Desenhei aquilo que faltava no modelo, além de conexões variadas de cabos, fios e outras esquisitices que só modelista gosta. Se já existissem celulares com câmera, seria uma festa.

Tão distraído eu estava na minha diversão, que nem reparei o atendente (era quase xará meu) com a papelada pronta ao meu lado, e curiosíssimo sobre o que diabos eu estava rabiscando ali. Pediu para ver os desenhos e quando eu lhe expliquei o objetivo daquilo, ele perguntou, admirado, se eu também gostava daqueles “assuntos de guerra”. Ele próprio era outro interessado no tema.

Meu xará fez uma cara engraçada quando falei da minha paixão pelo assunto, e disse que nesse caso eu ia adorar conversar com um senhor que trabalhava lá. Era um alemão que lutara na guerra e que sabia tudo sobre mecânica da Volks. Beleza, bater papo com um alemão veterano de guerra é uma chance rara, e pedi que ele me apresentasse ao sujeito. O atendente falou mais sério e disse que tinha uma condição: O alemão era sobrinho de um general muito famoso, e que se me apresentasse a ele, tinha que prometer fingir que ainda não sabia de nada. O alemão só ia comentar sobre o parentesco dele caso sentisse confiança na minha pessoa. Eu prometi, é claro. Minha curiosidade já estava na estratosfera, como se pode imaginar.

Agora vem a porrada. Por favor, terminem a leitura antes de achar que estou inventando coisas.

Ele me perguntou se eu já ouvira falar do Marechal Rommel, pois este era o tio do sujeito que trabalhava ali. Olhei na cara do atendente e perguntei se estava de sacanagem comigo. Ele manteve a postura e reafirmou o que acabara de dizer. O veterano alemão era sobrinho do Rommel, chefiava um setor de mecânica da Volkswagen, e no momento trabalhava na Tianá Veículos?? Na hora eu não acreditei nem um pouco naquela conversa, mas assim mesmo segui o atendente até o pátio da concessionária, onde mais adiante estava o tal alemão conversando com algumas pessoas. Esperamos a conversa acabar e observei o sujeito, enquanto isso. Era um senhor nos seus 60 anos, forte, atarracado, quase calvo e fumava feito uma chaminé, com piteira. Lembrava o Rommel? Em alguns momentos sim, mas podia ser a minha imaginação.

Ao sermos apresentados, a primeira coisa que notei foi o forte sotaque alemão. Ponto pro atendente. Eu tinha que me esforçar para entender boa parte do que dizia, mas ele me entendia sem dificuldades. Então comecei um papo sobre motores de fusca e como eles tinham mudado pouco em mais de 40 anos. Perguntei sobre detalhes diversos até ganhar o interesse do alemão. Daí falei sobre o Kubelwagen e se por acaso ele saberia que carro era aquele. O alemão riu e disse que cansou de dirigi-los e fazer consertos ligeiros neles durante a guerra (O Kubelwagen era meio que descartável, projetado para durar em torno de 1 mês. Se precisasse de conserto pesado, pegavam um novo). A conversa sobre a Segunda Guerra engrenou. Ele contou que havia se formado em engenharia mecânica no começo da guerra. Então alistou-se na Luftwaffe, primeiro como mecânico, quando dirigiu, montou e desmontou muitos veículos. Depois, passou a atuar como observador traseiro num Arado (se entendi bem, era esse o avião). Nessa altura, a concessionária estava fechando o expediente, e combinei um novo papo quando voltasse para pegar meu carro, em dois dias.

Voltei lá com as instruções do kit da ESCI para mostrar a ele. Não lembro mais do primeiro nome do homem, mas lembro que era um nome alemão bem comum, como Hans, ou algo assim. Para simplificar, vou chamá-lo aqui de Seu Hans.

Seu Hans ficou confuso quando viu as instruções do Kubelwagen. Não tinha a menor idéia do que eu estava tentando fazer, pois nunca ouvira falar em plastimodelismo. Quando finalmente entendeu o que era, me perguntou por que alguém se interessaria em construir o modelo daquele carro alemão, usado numa guerra, há 40 anos? Para ele, não fazia sentido. Já viram a quantidade de coisas que ele ainda tinha que descobrir, não?

Eu tinha acabado de aerografar de marrom os bancos do meu Kubelwagen, e resolvi perguntar se eram daquela cor mesmo. Ele negou. Disse que eram pretos. Era couro tingido de preto e todos os veículos militares alemães que vira até então eram tingidos assim. Quando o couro se tornou escasso devido à guerra, os alemães passaram a produzir um material sintético imitando couro, também preto. Eu não consegui entender bem que tipo de material sintético ele se referia, mas ficou entre napa e algo feito de plástico. Muitos anos depois dessa conversa, eu pude comprovar o que ele disse (está no tópico do Assef), através de livros e da Internet. Também perguntei como era a chave de ignição do Kubel. Ele disse que era de aspecto comum, e diante da minha insistência, rabiscou com lápis uma para mim, no tamanho natural. Acho que tenho este desenho guardado até hoje. E sim, os bancos do meu Kubel também até hoje estão errados, haha. Desse ponto em diante, Seu Hans devia me ver como um Nerd completo, mesmo que esta palavra ainda não estivesse em uso, nos idos de 1983.

O papo com o seu Hans volta e meia era interrompido por terceiros. Daí ele voltava, pegávamos um café no balcão, acendíamos um cigarro, e eu pedia que continuasse.

Ele contou que após a Luftwaffe ter sido quase toda eliminada, muito do que restou do pessoal de terra foi reaproveitado em outras unidades. Ele foi designado para a tripulação de um meia-lagarta com  flak. É interessante lembrar que ele sempre se referia a qualquer veículo pelo nome completo. Ele não dizia “Panzer”, por exemplo. Dizia “Panzerkampfwagen”, e era assim com todo tipo de equipamento. Quando perguntei que meia lagarta era, a resposta veio completa em alemão, de modo que não sei dizer qual tipo exato de meia-lagarta ele operou. Perguntei se então havia combatido na divisão Hermann Goering, mas ele desconversou. Percebi que ele ficava mais à vontade com as questões técnicas, portanto procurei não insistir. O motivo eu saberia logo.

A unidade dele estava na Normandia. Seu Hans contou que o meia-lagarta deles era novinho em folha (alô galera do “envelhecimento”. ) e estava camuflado com galhos de árvores, numa estrada secundária, durante o pandemônio do Dia D. Perguntei se ele tinha visto aviões aliados, tipo uns Spitfires, os meus preferidos. Ele respondeu batendo no peito “Se eu vi? Dois deles atiraram em mim e nos meus companheiros!”. Disse que estavam lá na tal estradinha, cuidando da vida, quando os dois caças passaram zumbindo por cima deles (ele disse “os aviões tinham listras embaixo das asas, sabe?” ). Ele e os demais torceram para que não tivessem sido notados, mas prepararam-se para atirar. Giraram o flak e viram quando os dois Spitfires fizeram a curva lá adiante e já voltaram mandando bala, com toda grossura possível. O flak mal fez alguns disparos. Seu Hans disse que só deu tempo de eles pularem do carro e se embrenharem na mata ao lado. O meia-lagarta acabou-se num instante (Lembrei agora uma frase do Churchill: “Nada no mundo é tão excitante quanto alguém atirando em você, e errando”).

Daqui em diante o relato dele ficou meio confuso, mas deu a entender que tiraram os uniformes e desertaram por algum tempo. Disse isso achando graça nele mesmo.

Acho que a maioria dos colegas aqui também ficaria maravilhada em ouvir esses acontecimentos da boca de um veterano. Eu queria preservar tudo isso e perguntei ao Seu Hans se ele concordaria em ser entrevistado e filmado, pois aquilo merecia. Ele me olhou bem nos olhos por uns momentos, viu se não éramos observados e puxou a carteira do bolso. Tirou a identidade, entregou na minha mão, bateu com o dedo no documento e perguntou se eu conhecia aquele sobrenome. Era Rommel. Perguntei, muito casualmente, se aquele Rommel seria o mesmo Rommel, o famoso estrategista. Sim, ele era sobrinho do Marechal Erwin Rommel, a Raposa do Deserto. Falou um pouco da grande admiração que sentia pelo tio, da vida em família, e falou também do primo dele, filho de Rommel, ainda vivo na época, e um político famoso na Alemanha pré-unificação. Cumpri a promessa com o meu xará atendente e fingi grande espanto. Mas nem precisava fingir nada, eu estava sinceramente surpreso e honrado em conhecer aquele senhor. Por causa do nome, continuou ele, tinha medo de ser assassinado por algum extremista judeu ou alguém assim. E ele já tinha visto isso acontecer com outros veteranos de guerra alemães. Ele  disse que, assim como o tio famoso fez, não abraçou a causa nazista e odiava Adolph Hitler. "Aquele demônio maldito acabou com a Alemanha”, falou. Entrou jovem para a Luftwaffe não para assassinar gente, mas para mexer com máquinas e motores, a grande paixão dele.

Então eu perguntei o que aconteceu em seguida. Ele contou que passado um tempo, conseguiu voltar para a sua unidade (deve ter contado uma boa história, para não ser fuzilado!). Participou de combates aqui e ali, e o fim da guerra o pegou em Berlim. Lutou como soldado comum de infantaria contra os russos e disse que os tanques soviéticos passavam por cima das pessoas em tal quantidade, que em alguns lugares as poças de sangue chegavam à altura do tornozelo. Nem criança escapava. Pela primeira vez, notei que os olhos dele ficaram marejados e ele se emocionou de verdade com as lembranças. Daí me falou, com o sotaque carregado, “Você muito jovem, não saber dessas coisas. Não pode fazer ideia do que aconteceu em Berlim. Não vou falar mais de guerra e gente morrendo.” Pediu que dali em diante a conversa se limitasse a máquinas e veículos, e eu respeitei. Mesmo assim contou que foi feito prisioneiro pelas tropas soviéticas. Antes de ser mandado para um campo de prisioneiros, ele e muitos outros foram obrigados a desmontar inúmeras fábricas subterrâneas alemães. Disse que até os umbrais das portas e parafusos dessas fábricas foram desmontados, embalados e levados para a URSS. Levou muito tempo fazendo isso. Mas assegurou que “os americanos foram mais espertos, pois levaram os nossos cientistas”. Passou anos aprisionado e, em meados dos anos 50, foi libertado. Voltou para a cidade natal, ficou um período lá e, nos anos 60, veio para o Brasil. Não teve muita dificuldade em conseguir emprego aqui, na Volkswagen, devido à grande experiência como engenheiro mecânico. E talvez com a ajuda do nome de família também.

Eu já tinha alugado o cara por um tempão e estava na hora de ir embora. Convidei-o para vir à minha casa ver a minha “coleção de máquinas” (de plástico) e os livros que eu tinha sobre o AfrikaKorps e o tio dele. Ele combinou de aparecer no fim de semana. Quando viu a quantidade de blindados da Segunda Guerra que existe para montar (e estávamos em 83!), ficou totalmente pasmo. Disse que nunca ia imaginar que tais coisas eram fabricadas. Cada modelo, ou kit ainda na caixa, que eu mostrava a ele, era imediatamente reconhecido e chamado pelo nome completo em alemão. Ele examinava longamente as ilustrações da Tamiya, de queixo caído com a exatidão dos detalhes. Emprestei dois livros em alemão para ele, da Podzun-Verlag, e um tinha muitas fotos do tio. Também o convidei para comparecer a uma reunião do nosso extinto grupo de modelismo. Muitas das reuniões foram feitas no salão de festas do meu prédio, e eu disse a todos quem seria o convidado de peso que teríamos em breve. Levei o João Barone para conhecer o Seu Hans pessoalmente, na Tianá, e lá eles bateram um bom papo. Outros como o Ajax (modelista conhecido no Rio, mas acho que não participa da Webkits), o Valls (que talvez já fizesse parte do grupo), o Manoel (El Coyote) talvez ainda lembrem disso. Para a reunião marcada, encomendei canapés e salgadinhos. Cerveja e refrigerantes também, tudo pago do meu bolso. Muita gente veio, mas Seu Hans deu o cano e não apareceu.

Passados uns três meses, me telefonou para devolver os livros emprestados e pediu humildes desculpas por não ter comparecido à reunião. Segundo ele, na hora H bateu o velho receio de se defrontar com alguém que o julgasse de forma equivocada e isso terminasse em violência. Preferiu continuar com a vida discreta que levava. Voltei na Tianá, peguei meus livros, conversei com Seu Hans mais algumas vezes e depois não o vi mais. Mais tarde a concessionária fechou e eu jamais soube do "Seu Hans" novamente. Espero que tenha levado o resto da vida em paz.

 

 

Last edited by Carlos Chagas
Original Post

Replies sorted oldest to newest

Carlos Chagas posted:

Ele me disse que (assim como o tio famoso fez), não abraçou a causa nazista e odiava Adolph Hitler. Ele dizia que “aquele demônio maldito tinha acabado com a Alemanha”.

E com muitos outros países, e com várias gerações. Que esteja queimando até hoje, junto com Stalin e outras pragas que já pisaram neste mundo ! 

Bacana, as vezes esbarramos com pedaços da história nos lugares mais inesperados. Interessante também que o relato corrobora o que vi numa entrevista do Thomas Jentz, que este negócio de Tigre, Pantera Panzer IV e etc. é uma simplificação para melhor entendimento, os alemães durante a guerra sempre se referiam aos veículos que usavam pelo nome oficial completo, Panzerkampfwagen seguido pelo número.

Chagas, primeiramente fico grato por compartilhar mais uma bela historia. Lendo seu relato eu fiquei muito emocionado pela visão de "Hans" sobre a guerra, e que ele, como a exemplo de seu tio, apenas cumpria ordens, mesmo não concordando com o regime ele acima de tudo era um patriota.

Eu vivo em Gramado (mas hospitalizado temporariamente em Porto Alegre ), onde, como em outros locais do Brasil,  existe uma grande maioria da população de descendentes de alemães,  que conserva belas tradições e seu idioma falado comumente entre nos. Compreendo perfeitamente a preocupação de "Hans", pois já ouvi muitos relatos pessoais de perseguição e preconceito, que felizmente diminuíram com o passar dos anos. Aqui no sul, grandes empresas foram fundadas e outras aproveitaram a excelente formação destes "senhores", onde, eu mesmo tive a oportunidade de estudar e aprender (SENAI) com um destes grandes "Hans"

Grade abraço e aguardamos sua próxima historia. 

Castro 

eu conheci  um chamado Helmuth que tinha  um antiquario atras  do quitandinha  mes passado passei lá  e  o local virou um casarão amarelo ele era da marinha e  ria muito  de que  afundou  em 1939 e que a guerra   para ele terminou em meses felizmente e o Martin Drewes que dispensa apresentaçoes 

Esqueci de contar que, no dia em que veio à minha casa, ele trouxe meia dúzia de fotos para eu ver. Não eram grande coisa. Numa, ele estava junto com um grupo de soldados próximos a um prédio (devia ser um quartel) e noutra ele aparecia sozinho, com uniforme completo, ao lado do trem de pouso de um avião. Nessa, dava para ver bem que era ele, uns 40 anos mais jovem e todo sorridente. As outras fotos eram variações destas. Também perguntei a ele sobre as cores usadas nos veículos alemães, e ele as descreveu sem muita novidade. Eram cinza escuro no começo da guerra, e depois passaram a ser pintados em cor de areia, com camuflagem  de verde e marrom. Mas ficava curioso em saber que importância tinha isso, eheh.

Rogério, eu concordo com o que você disse. Exceto por um pequeno detalhe, e isto poderia render uma boa discussão. Não fosse pelo seu detestado tio, não teríamos o nosso amado hobby. E talvez nem computadores ou Internet para poder dizer isso, e todo mundo ler. Pense a respeito.

Gilberto, agora que mencionou, tenho quase certeza de que o nome do alemão também era Helmuth.

Conforme disse o Augusto, esbarramos com personagens assim onde e quando menos esperamos. Ao longo da vida tive a sorte de conhecer e conversar um pouco com alguns veteranos de guerra:

- Um veterano alemão da Primeira Guerra, quando eu ainda era adolescente nos anos 60. Grande historia.

- Um oficial da FEB, que participou da rendição da 148º divisão alemã, na Itália. Foi meu professor particular de matemática nos anos 60, no meu pior ano no ginásio. Me contou dois casos muito interessantes.

- Um piloto da Luftwaffe, também nos anos 60, frequentador da "Ordem da Chupeta". Isso era um seleto grupo de modelistas bem mais velhos do que eu, que se reunia no apartamento do fotógrafo de aviação Francisco Pereira Neto, em Copacabana. O piloto tinha as duas mãos deformadas pelo fogo, quando o ME109 dele foi abatido na Rússia.

- O pai do João Barone, que foi pracinha. Mas ele não falava muito a respeito da guerra, embora eu soube de dois bons episódios. Esses, o Barone pode contar.

- O Brigadeiro Rui Moreira Lima. Eu o conheci desde aquele P-47 1/32 fajuto que pintei para a Revell.

- O sobrinho do Rommel.

- Um italiano motorista de táxi, que lutou contra os ingleses no Norte da África. Foi uma conversa divertidíssima, embora muito curta, na corrida do táxi. Puro acaso mesmo.

- Um senhorzinho morador do bairro. Foi oficial de Intendência na Itália e batemos um papo na loja de uma amiga, aqui perto.

Esses são os que me lembro no momento. As historias pessoais dos que participaram das guerras são, em muitos casos, mais interessantes do que a história oficial que está nos livros. Eu as considero um presente, quando contadas diretamente.

 

Castro,

No final, a América Latina ganhou bastante com a experiência técnica trazida pelos alemães. Um bom exemplo é a Argentina, cuja Aeronáutica evoluiu rapidinho com os projetistas que vieram depois da guerra.

 

Last edited by Carlos Chagas

Eu encontrei com um Veterano do exército inglês em Cingapura. Eu estava no bairro indiano com umas colegas de trabalho em uma loja de roupas. Quando esse senhor entrou com sua esposa. Logo ele percebeu que eu era estrangeiro e começamos a conversar.

Não sei porque cargas d´aguas começamos a falar de aviação. Eu disse que admirava muito o Douglas Bader.

Para minha surpresa esse senhor havia trabalhado com Douglas Bader e Jonhnie Jonhson em um programa do governo inglês de reconstrução de casas após a guerra.

Ele se tornara  empreiteiro após a guerra e os ases eram bem feitores deste programa. Ele me contou que os dois eram pessoas formidáveis e boas de se trabalhar.

Tenho uma grande admiração pelo Douglas Bader... pela sua estória de superação. Tem no youtube um programada da década de 70 eu acho... "this is your life" onde o personagem principal é ele. Eles chamaram o Galland para participar do programa. Os dois se tornaram grande amigos após a guerra.

 

Galland lhe arranjou novas pernas e após a guerra, enquanto prisioneiro,  Douglas foi ao encontro de Galland com uma caixa de charutos.

Os alemães se arrependeram amargamente de ter arrumado novas pernas para Bader, pois ele era um fujão, tentou escapar diversas vezes, sendo ameaçado de lhe tomarem as próteses caso insistisse em fugir!!!

Last edited by Daniel Iscold

Quando estudei na ETF Escola Técnica Federal do RJ Celso Suckow da Fonseca no Maracanã, tive um colega de sala, Dieter Schnellhardt, em que o pai, ainda vivo na época foi da Werchmacht, morava na Ilha, algumas vezes fui lá, mas o Dieter, me conhecendo pediu para não conversar com o pai sobre aqueles assuntos, mas chegamos a trocar um motor de scooter que eu tinha por um relógio que teria sido de um tio dele que conservo até hoje!

Daniel Iscold posted:

Eu encontrei com um Veterano do exército inglês em Cingapura. Eu estava no bairro indiano com umas colegas de trabalho em uma loja de roupas. Quando esse senhor entrou com sua esposa. Logo ele percebeu que eu era estrangeiro e começamos a conversar.

Não sei porque cargas d´aguas começamos a falar de aviação. Eu disse que admirava muito o Douglas Bader.

Para minha surpresa esse senhor havia trabalhado com Douglas Bader e Jonhnie Jonhson em um programa do governo inglês de reconstrução de casas após a guerra.

Ele se tornara  empreiteiro após a guerra e os ases eram bem feitores deste programa. Ele me contou que os dois eram pessoas formidáveis e boas de se trabalhar.

Tenho uma grande admiração pelo Douglas Bader... pela sua estória de superação. Tem no youtube um programada da década de 70 eu acho... "this is your life" onde o personagem principal é ele. Eles chamaram o Galland para participar do programa. Os dois se tornaram grande amigos após a guerra.

 

Galland lhe arranjou novas pernas e após a guerra, enquanto prisioneiro,  Douglas foi ao encontro de Galland com uma caixa de charutos.

Os alemães se arrependeram amargamente de ter arrumado novas pernas para Bader, pois ele era um fujão, tentou escapar diversas vezes, sendo ameaçado de lhe tomarem as próteses caso insistisse em fugir!!!

Segundo o livro dele, uma vez lhe privaram de suas magníficas pernas alemãs!

Carlos,

Li cada letra do que você escreveu e lembrei do fato. Pena que ele acabou não aparecendo no dia.

Essas ocasiões eram raras e mais ainda hoje em dia, e aproveitá-las é quase uma obrigação para quem é entusiasta do tema.

Não tive a sua fortuna ou a dos colegas que mencionaram suas experiências acima. Eu só tive duas. Uma em casa, já que meu pai na juventude foi pego no meio da Guerra Civil da Espanha, mas quando eu perguntava alguma coisa, a resposta era que a única preocupação que tinham era não morrer de fome e sobreviver. Lembro apenas dele ter comentado que no fim da guerra abandonaram um tanque russo na porta de casa, quando perguntei qual era, a resposta foi que só pensaram em aproveitar os tapetes de borracha para fazer solas dos sapatos.

Um outro amigo dele, já aqui no Brasil, foi um italiano que combateu na Cirenaica e depois na península, e acabou conhecendo e vindo para o Brasil pelo apreço que desenvolveu com os pracinhas quando foi ferido e tratado em um hospital de campanha da FEB.

Valeu por compartilhar.

Valls

Last edited by Valls

Excelente narrativa, dá gosto de ler.

Você não que copiar ela lá na área de Blogs, Chagas?

Aqui no fórum, mais hora, menos hora, o tópico vai cair e se perder no meio dos outros. Lá não!

Apenas uma sugestão.

Abraço

Sidney

 

 

 

eu falei os dois do lado dos krauts - mas  do lado aliado  eu  conheci vários na verdade dezenas   inclusive poloneses e  a incrível enciclopédia da feb major enfermeira Elza e o Almirante Lúcio Torres que sobrevivera ao afundamento  do Bahia - meu pai era veterano do Sampaio mas depois  de Montese foi recuado por crise nervosa e nunca falava da guerra e todo ano no aniversario de Meu tio Eudino do 7º Grupo de Artilharia de Dorso que morreu no afundamento  do baependy - acendia  uma  vela  aos prantos  e  eu nem chegava perto rsrsrs

Last edited by jgap
Sidney posted:

Excelente narrativa, dá gosto de ler.

Você não que copiar ela lá na área de Blogs, Chagas?

Aqui no fórum, mais hora, menos hora, o tópico vai cair e se perder no meio dos outros. Lá não!

Apenas uma sugestão.

Abraço

Sidney

 

 

 

Sidney,

Se acha que vale a pena, por mim não tem problema algum. Vou ver como se faz. Encontrando dificuldade, eu te pergunto.

Grato pelo interesse.

Valls,

Legal saber que você lembrou do fato. Foi uma pena não ter mantido o contato com ele por mais tempo, mas o homem era arredio à exposição mesmo. Tentei convence-lo sobre a segurança e a cordialidade com que seria tratado pela turma, mas não adiantou.

jgap posted:

eu falei os dois do lado dos krauts - mas  do lado aliado  eu  conheci vários na verdade dezenas   inclusive poloneses e  a incrível enciclopédia da feb major enfermeira Elza e o Almirante Lúcio Torres que sobrevivera ao afundamento  do Bahia - meu pai era veterano do Sampaio mas depois  de Montese foi recuado por crise nervosa e nunca falava da guerra e todo ano no aniversario de Meu tio Eudino do 7º Grupo de Artilharia de Dorso que morreu no afundamento  do baependy - acendia  uma  vela  aos prantos  e  eu nem chegava perto rsrsrs

Meu pai também foi da FEB, era operador de 3 jipes GMC que eram estações links de rádio, dois eram iguais e outro transportador de peças e simulacro, pois tinha as antenas, mas o baú vazio, poucas história meu contou, só as mais felizes, como quando os americanos perceberam que os alemães estavam triangulando o jipe link, puseram o simulacro no alto e exposto, parece que vieram caças alemães, mas os americanos caíram em cima na proporção de 10 yanques para um tedesco, e como meu pai não fumava, mas tinha a cota semanal de pacote de cigarro, Camel ou Lucky Strike, eles guardavam os cigarros e gasolina em tumbas romanas, onde também estavam escondidos os vinhos italianos, ao acabar a guerra, saíram a passeio pela Europa com os 3 jipes, bem abastecido incluindo troleys de combustível, e a moeda de troca eram cigarros, para tudo, dormir, comer e fufu.

Carlos Chagas posted:
 

Se acha que vale a pena, por mim não tem problema algum. Vou ver como se faz. Encontrando dificuldade, eu te pergunto.

Grato pelo interesse.

Carlos, basta ir na área de blogs e publicar, como se fosse um tópico. Se não quiser ter muito trabalho, pode simplesmente replicar o que postou aqui.

Qualquer dúvida ou problema fale comigo.

Abraço

Sidney

Até hoje, tive a oportunidade de conversar mais longamente com apenas quatro ex-combatentes:

- Um veterano do 1º Grupo de Caça, que serviu com praça na campanha da Itália. Isto foi lá pelos idos de 1975.

- O sogro de um colega inglês, quando estudava na França em 1991, que tinha sido piloto de Baltimores na RAF, e participado da campanha no Norte da Africa e da invasão da Sicília. 

- Um piloto de OV-10 Bronco na guerra do Vietnam. Conheci o cara em um voo doméstico nos EUA. Assim que sentei no meu lugar, abri um livro sobre a Luftwaffe e o cara, que estava sentado ao lado, perguntou se eu gostava de aviões. Enfim, conversamos a viagem toda.

- Mais recentemente, aqui no Brasil, um americano que foi oficial de inteligência a bordo do USS Hancock durante a guerra do Vietnam. 

Infelizmente, os veteranos da Segunda Guerra estão diminuindo rapidamente a cada dia. 

 Abs,

Ivan

Ivan P posted:

 

Infelizmente, os veteranos da Segunda Guerra estão diminuindo rapidamente a cada dia. 

 

Indeed! E obviamente, teremos cada vez menos...

Eu particularmente nunca conversei realmente com nenhum. O avô de uma conhecida tinha perdido uma perna na Itália, mas nunca cheguei a conversar com ele (consta que não gostava mesmo de falar sobre a guerra).

Quando estive em Bovington para o Tankfest, no trem havia dois veteranos, um cabo e um sargento, em seus lindos uniformes vermelhos. Nunca me arrependi tanto de não ser fluente (longe disso...) em inglês. Troquei umas poucas palavras com eles, eram velhos grandes e fortes, tanquistas - eles disseram que tripularam de TUDO que havia em termos de blindados aliados na guerra... 

Belíssima história, parabéns. Valeu muito a postagem.

Aqui em Goiânia tive o prazer de de conhecer dois senhores, que também participaram da guerra. Um, alemão, que serviu na Kriegsmarine, a bordo de um famoso cruzador de batalha. Nautimodelista de mão cheia, o conheci através desse hobby. Quase caí de costas quando ele citou a participação na guerra, depois de várias visitas na casa dele. E só comentou quando reconheci o navio na estante da casa dele, e que tinha sido montado por um sobrinho.

O outro senhor era um francês que havia sido Maquis na França, e detestava falar da guerra. Mas às vezes nos brindava com algumas histórias.

Se tiverem interesse, depois posso fazer uma relato desses dois.

Abraços

Armando

Cada um de vocês que têm histórias desse tipo para contar, conte aqui. Mete bronca, Armando.

Aqui vai outra outra, rapidinha. Foi nos anos 90. Eu pegara um táxi para uma corrida até o Centro (do Rio), quando no meio do caminho, uma mulher avantajada atravessou a rua de qualquer maneira, sem olhar, bem na frente do táxi. O motorista deu uma freada tão forte que o carro quase ficou em pé. Ele xingou a gorducha de alguma coisa que não entendi e me olhou como quem diz "Você viu só que maluca?". Por pouco, o táxi não jogou a mulher longe. Eu me recuperava do susto e disse que a criatura parecia um tanque alemão desembestado. Daí o cara, um velhote corado e forte, riu e disse que ela parecia mesmo, pois tinha visto muitos Panzers  na guerra. Ôpa, atraiu a minha atenção.

Perguntei onde e quando, e ele disse que os viu no norte da África. O cara era italiano. Já estava lutando lá, antes da chegada do AfrikaKorps. Disse, às gargalhadas, que eles, os italianos, levaram uma surra dos ingleses. "Nosso exército era uma merda, nossos tanques também. Os ingleses nos deram uma bela surra, e os alemães é que nos salvaram", falou.

Mas então chegamos ao meu destino. Eu paguei ao homem e lamentei que o papo tivesse sido tão curto. Ele disse o mesmo e que talvez nos esbarrássemos novamente, mas nunca mais vi o veterano italiano. Aposto que teria sido uma grande conversa, pois o cara era bem-humorado pacas. Devia ter altas histórias para contar!

Sensacional Chagas ... Nota 1000 estas historias.

Tenho uma curtinha... Trabalhava no extinto Banco Nacional em 82, em um posto bancario, dentro da fabrica da Rolamentos FAG.  Com exceção de dia de pagamento,  o posto era tranquilissimo.  Diga-se de passagem, eu trabalhava sozinho lá.  

Nas horas tranquilas, folheava meus livros da editora Renes e eu tinha (tenho) o Insignias Nazistas.   Enquanto eu folheava, entrou um senhor alto,  loiro,  que eu nao tinha visto ainda.  Deixei o livro de lado,  fechado,  e o atendi.   Ele me olhou, e pediu para ver o livro.  Fiquei meio sem reação, um pouco assustado,  mas dei o mesmo a ele... quando começou a explicar no portugues macarronico dele,  qual medalhas ele tinha sido condecorado. Que uniforme usou, e com que armas atirou.   Quase tive um treco.    Estar conversando com um combatente alemao.  Uma pena ele nao ter voltado mais vezes e tambem o fato de eu ter sido transferido para o posto da Caterpillar , tempos depois...

E ja na Policia Rodoviaria em 91, parei um carro para fiscalizar , na rodovia dos Imigrantes,  e percebi um pequeno adesivo da FEB no parabrisa dianteiro.  Como era um senhor, perguntei da admiracao dele pela FEB e ele surpreso tambem por um " jovem"   saber do assunto.   Era um Major aposentado, que lutou na Italia como Ten.   Major Irany de Oliveira.   Claro, como cortesia e respeito a um superior (mesmo do EB) e ainda por cima veterano,   o liberei de qualquer obrigação na fiscalizacao, e ele todo contente,  pediu meu endereço.   Dias depois recebi em casa,  um envelope , guardado com muito carinho ate hoje, com umas 10 folhas datilografadas a mao... nao sao copias .  Ha copias mas sao apenas das fotos em cada folha, explicando a situação.  Simplesmente sensacional.   Fiquei sabendo, ha pouco tempo, por um conhecido que tem acesso a dados de veteranos , que infelizmente ja faleceu.  

Restam poucos senhores...

abraço a todos.

Marco 

 Não sabia que o mestre Carlos Chagas também tem "veia de historiador amador" e os colegas que estão postando igualmente tem este dom. Que ótimo, até que enfim, estamos esquecendo a política partidária. Eu também, já conheci e alguns convivi, com veteranos da FEB, um que tinha sido  prisioneiro de guerra e tem sua história contada em muitos livros, conversamos diversas vezes e quando consegui que gravassem seu depoimento para um arquivo histórico,nunca mais me atendeu e sumiu,  outro que era neurótico de guerra, meu vizinho,   cujo filho era colega de escola e  meu amigo e me mostrou as lembranças de guerra do pai e relatou algumas histórias que o pai contava quando ficava lúcido, o comportamento dele quando voltou da guerra e que a mãe lhe contava. Um amigo cujo  pai foi da Policia Militar da FEB na Itália, outro soldado mecânico de caminhão na Itália, outro retruca febiano que me contou como eles eram tratados, quando da incorporação, todas histórias amargas. Conheci também um austríaco da HJ e depois da Luftwaffe, que falou do horror que eles passaram quando acabou a guerra e foram mandados para campos de prisioneiros na Alemanha ocupada. Conheci também alguns alemães, um que lutou no Front Russo e tinha defeitos nos dois pés por congelamento, mas estes jamais aceitaram siquer tocar no assunto.

Aproveito a oportunidade para "cobrar", desculpe o termo Carlos, a continuação do carrinho Citroen da época da guerra, que sou apaixonado e me lembra os passeios de algumas tardes de domingo que já se vão há algumas décadas.

 

 

Que legal, ler a contribuição de vocês. Essas histórias são ótimas.

Afonso, ficou faltando algumas fotos de peças do Citroen para publicar no tópico. Achei que já era coisa demais, por isso interrompi. Logo eu posto o que ainda tem.

E já que o assunto sobre os veteranos pode render mais, aí vai outra história que me aconteceu. Foi no final dos anos 60.

Matemática nunca foi o meu forte nos tempos de escola, e teve um ano no ginásio em que eu precisei de um professor particular, para não ficar em recuperação. Ele me foi indicado por um colega de escola, que era parente do professor. Meu amigo disse que o sujeito foi um pracinha na Itália, e voltou "neurótico de guerra". Até hoje não entendi se voltar neurótico só aconteceu com brasileiros ou com todo mundo que participou daquele conflito.

Quando as aulas começaram, numa área grande nos fundos do apartamento do cara, notei que aquele senhor era meio nervosinho mesmo. Mas hoje eu acho que aquela austeridade toda vinha da antiga vida militar, ou então era uma forma de manter a hierarquia de professor perante a turma, pois éramos uns cinco ginasianos burregos em matemática, na casa dele. E nem sempre muito comportados.

Um dia ele tocou no assunto da guerra, e eu aproveitei a deixa para puxar uma conversa a respeito. Nessa altura, o clima meio hostil do começo já passara e ele agora conversava conosco na maior cordialidade. Júlio era o nome dele, creio, e duas das passagens que contou, nunca mais eu esqueci.

Ele era capitão durante a guerra, e disse que uma vez ficou encarregado de guardar um monte de prisioneiros alemães durante quase dois dias, no meio de uma nevasca daquelas. O mau tempo atrasou os caminhões que viriam buscar os prisioneiros, de modo que ele recebeu ordens de abrigar os pracinhas sob seu comando e os alemães no porão (que também era estábulo) de uma grande casa, enquanto o transporte não se normalizasse.

Botou alemães sentados no feno de um lado e pracinhas no lado oposto. Eles  ficavam olhando uns pra cara dos outros, em silêncio, e o Seu Júlio disse que dava para sentir uma tensão muito perigosa no ar. Estavam todos cansados, sujos, com frio, e famintos. Ele chamou o intendente e perguntou o que tinham para comer. O cara disse que só tinham algumas poucas rações de combate e muita Maizena, chocolate em pó e açúcar. Então o capitão Júlio ordenou que derramasse tudo num panelão, acendesse uma fogueira embaixo e fizesse o maior, mais doce e mais quente mingau que já tivesse feito na vida, e que servisse todo o pessoal ali dentro, incluindo os alemães.

Os soldados devoraram o mingau pelando de chocolate feito loucos, com direito a repetir, pois tinha bastante. Depois de rasparem o tacho, o soldado alemão mais graduado aproximou-se dele, bateu continência e agradeceu, em Inglês, a bondade dele para com os prisioneiros. Disse que aqueles homens já não comiam nada que fosse doce há muito tempo, e que aquela refeição tinha sido um presente do céu. Dito isto, tirou do bolso uma condecoração por bravura e deu-a de presente ao brasileiro, como forma de reconhecimento.

Todo mundo de barriga cheia, o clima ali dentro arrefeceu. Logo, os brasileiros começaram a cantar samba, acompanhados de caixinhas de fósforos e outros instrumentos improvisados, e para surpresa geral, os alemães caíram na farra. Ninguém entendia patavinas do que o outro cantava, mas a zoeira foi geral até os caminhões chegarem e levarem os "amigos germânicos de infância" para o campo de prisioneiros.

Em outra ocasião, o Prof. Júlio contou que um tempo depois esteve presente durante a rendição da 148ª divisão de infantaria alemã. Estava no local desde o começo e testemunhou as primeiras unidades alemães chegando. Em dado momento, era o soldado da FEB mais graduado em determinado local, e viu quando um grupo de alemães se aproximou dele. Um dos oficiais era um coronel, e o capitão Júlio pediu-lhe que entregasse a arma. Quando o tedesco viu que a patente do brasileiro era inferior à sua, tirou a Luger do coldre, mostrou para ele, mas ao invés de entregá-la, jogou a pistola numa vala ao lado da estrada e disse exatamente assim "Volto para pegar na próxima guerra", em Inglês. Nunca mais esqueci dessa frase.

O professor disse que ficou muito puto com aquela arrogância, e o sangue lhe subiu à cabeça na mesma hora. Aí sacou a sua .45, engatilhou a arma, apontou na testa do coronel alemão, e aos berros disse-lhe que ele tinha cinco segundos para apanhar a Luger do chão e entregar-lhe na mão, ou ele ia estourar-lhe os miolos ali mesmo. O alemão quis fazer jogo duro, e logo militares de ambos os lados acorreram. Um suboficial da FEB lembrou que o lugar tinha correspondentes de guerra e aquilo ia dar problemas. Finalmente os outros alemães convenceram o coronel a respeitar a conduta militar. O alemão marrento foi lá, pegou a Luger e a entregou corretamente ao capitão Júlio, batendo formalmente os calcanhares.

Eu perguntei a ele se teria atirado mesmo, e ele respondeu que o alemão foi salvo no último segundo.

Eu terminei as aulas com ele, passei de ano, e nunca mais o vi.

E sim, ele trouxe a Luger como recordação.

Last edited by Carlos Chagas

não é exatamente um ex-combatente mas acho que se encaixa, meu sogro escreveu este texto faz um tempo a meu pedido para o site Grandes Guerras.

 

Meu triciclo vai à guerra
As recordações da infância de Claudio Beccaccia, na Itália em plena II Guerra.

Velhas tristes coisas remotas e batalhas de outros tempos .....
WORSWORT
The Higland-Reaper

Muitos anos já se passarem, mas vou tentar reviver as sensações da minha infância num mundo em guerra, para mim cheio de aventura e para os adultos, de pesadelo.

Eu não tinha medo, na minha inconsciência tudo era brincadeira, somente mais tarde, ao contato direto com a violência, percebi a tragédia.

Contagiados pela retórica nacionalista e guerreira, todos queríamos ser Heróis, nos era fácil o entusiasmo, depois das vitórias na Etiópia, Espanha, Albânia.

Os Balillas cantávamos "Duce, Duce chi non saprá morir?" enquanto brincávamos com as figurinhas dos Ascaris, dos aviões de asa dupla, dos bersaglieri, do Negus [modo como era chamado o rei etiope].

À semelhança das grandes nações do passado, não tínhamos conquistado um Império vencendo gloriosamente os abissínios pitorescamente armados com escudos de couro e mosquetões ?

Nesta Itália pobre, parcimoniosa, orgulhosa da resistência ao bloqueio econômico do mundo, plantávamos até nas praças públicas uma colheita de nove milhões de toneladas de trigo.

E foi assim que o povo deu ouro à Pátria em luta e apareceu um anel de aço no dedo da mamãe e os Balillas catamos ferro velho para fazer encouraçados e tanques e deste modo também meu velho triciclo de lata foi à guerra. Os meninos ingleses, sem ser Balillas, faziam o mesmo do outro lado.

10 de junho de 1940 - Mussolini declara guerra. Na tarde estival de minhas férias em Turim, ouço o rádio, pulo aos gritos do balanço, no jardim de meu avô, a multidão ruge de entusiasmo, "VINCEREMO": todos fascistas. As faces consternadas das mulheres lá em casa, lágrimas.

À noite, na cidade obscurecida, na avenida em frente de casa, o rodar sinistro, passam caminhões, tropas, tanques, canhões que vão para a fronteira com França. Primeiro raid da aviação francesa sobre Turim. Chovem fragmentos das granadas antiaéreas sobre os telhados. Corremos para o abrigo. A guerra de verdade. O povo silencioso vai ver a primeira casa bombardeada na rua Priocca. Cinco mortos. Mais tarde contaremos centenas quase com indiferença.

De volta a Gênova, onde Papai chefia uma seção de projetos nos Estaleiros ANSALDO. Alegria. Não é convocado por ser indispensável ao esforço bélico.

Racionamento. Filas. 150 gramas de pão preto e duro por dia, 1 decilitro de leite e meio ovo por cabeça, a carne já está faltando. Cupões para a roupa. Tantos para uma camisa, um par de meias, um sapato. A escolha é difícil.

Na praia, quase na frente de casa, instalam plataformas para teste de canhões. As explosões vão quebrando nossas vidraças. Papai assiste ao regresso de nosso destróier "CALATAFIMI" com as bandeiras desfraldadas e a tripulação toda no convés vitoriando, após o combate com dois cruzadores e dois destróieres franceses que tinham canhoneado a costa de Gênova.

As coisas pioram, inventam aparelhinhos que devolvem o corte às laminas de barbear que estão em falta, criam-se galinhas nos balcões dos apartamentos, galinhas que senhoras mui distintas levam às praças públicas para pastar, prudentemente seguras por longos barbantes amarrados à pata. Falta comida em Gênova, comemos mingau de alpiste, bolinhos de alpiste, mamãe improvisa milagres culinários, consegue minúsculos pedaços de manteiga batendo numa garrafa o meio litro diário de leite aguado. Papai cria um solitário coelho que na hora fatídica não vai conseguir assassinar.

Lançamento ao mar do encouraçado "Littorio", 35.000 toneladas. Debaixo da proa gigantesca, os Balillas agitamos bandeirinhas. Filmes como "LUCIANO SERRA PILOTO" e "ASSÉDIO DO ALCAZAR DE TOLEDO" nos tinham preparado para grandes vitórias. Mas os alfinetes e as bandeirinhas coloridas que colocamos com esperança nos mapa começam a nos decepcionar com incredulidade.

Tio Germinal cai prisioneiro dos ingleses na Etiópia. Só voltará em 1947. Adeus FACCETTA NERA. Lembro dos pêlos de Rinoceronte (?) que me tinha trazido em 1935.

De Balilla passo a Balilla mosqueteiro, ganho o direito de usar cartucheira, ótima para guardar meus trecos e a obrigação de participar de marchas e exercícios com mosquetes sem ferrolho.

Nossos invencíveis aliados nos levem de carona até o Egito. Nas manifestações cantamos "Camerata Richard benvenuto"(1) . Grandes esperanças.

Falta sal. O povo acaba com os pinheirais das montanhas de Gênova para ferver a água do mar e para cozinhar. Com papai trazemos garrafões de água da praia, o sol evaporará a água colocada em vasilhas rasas. Nas montanhas só ficaram os piores tocos, os mais afastados. Ajudo papai que diariamente após o trabalho cava para extrair um diabólico toco, que cuidadosamente aterramos para continuar no dia seguinte. Nos levam o toco quando falta pouco.

Os bombardeios aéreos se intensificam. Descemos repetidamente ao abrigo antiaéreo. Observo como as pessoas se revelam. Aparecem o medo, a reza, o estupor, a indiferença, a fanfarronada com violão. As crianças brincam no seu mundo de fantasias. Papai, apolítico por vocação, é preso por carregar folheto com piadas antifascistas achado no escritório. Quarenta dias de cadeia. Na saída, resgatado pelas lágrimas da mamãe junto ao delegado, a obrigação de se filiar ao Partido Nacional Fascista e de se apertar dentro do uniforme de praxe.

Com a minha avó catamos papel para fazer bolinhas depois de macerado na água. Serve como combustível.

Vamos para Saluzzo, Piemonte, onde tem possibilidade de mais segurança e melhor alimentação. Papai fica em Gênova, preso ao escritório. A nova casa alugada tem um grande terreiro e boas acomodações. Novos colegas, nenhum Balilla.

Tem legumes e verduras, ovos a preços inflacionados. Todo dia pedalo sete quilômetros ida e volta para buscar um litro de leite numa granja. Contorno um aeroporto militar, carcaças de aeronaves queimadas, aviões alemães camuflados. Um enorme aparelho com seis motores me sobrevoa em baixa altura, irrealmente vagaroso. Na porta lateral aberta, militares respondem ao meu aceno. Com meu tio catamos cogumelos nos bosques das montanhas próximas.

As roupas estão acabando. Mamãe costura um vistoso remendo na traseira das minhas calças e consola minha rebelião apelando à elegância dos cavalheiros ingleses em trajes de montaria. Os fumantes sofrem sem tabaco e apelam para a botânica. Experimentam desde a barba do milho até as folhas secas de árvores e arbustos em fantasiosas misturas.

Povo e escolares vamos à estação nos despedir do trem que carrega para a Rússia a Divisão Centauro. Emoção. Ganho um emblema de um soldado.

Falece meu avô materno refugiado num Hotel em Cocconato. Com mamãe vamos ao enterro, um taxi escangalhado munido de um gigantesco gasogênio nos leva numa viagem assombrada através das estradas do Piemonte devastado pelos bombardeios.

3º B. Onde estarão hoje meus colegas? O anêmico longilíneo conde Amedeo Lombardi, Vassalo, o exímio desenhista, o inesquecível Bollati, que nos convidava para incríveis meren-das de vinho e salame em seu sítio. Companheiros de longas horas nos abrigos antiaéreos escolares, horas que permitiam a fuga das precárias aulas e tímidas aproximações com as inacessíveis classes femininas.

Domingo. Voltamos da Igreja. Encontramos nossa casa requisitada por uma companhia de alpinjaëger austríacos. O tenente Wolf está tomando banho, a tropa acampa no palheiro. Vêm revezados de Monte Cassino. Educadamente nos deixam um quarto, para mamãe, a nona, minha irmã, eu e o papai, quando nos visitar. A convivência não é difícil, são extremamente disciplinados. Ficarão um mês e meio. Comem mal estes rapazes, grossas fatias de pão preto e quadrado com um dedo de banha. Um dia aparecem com um montão de frangos arranjados Deus sabe como. Pedem, e a nona enternecida pela fome dessa mocidade, consente em cozinhar, mas não tem lenha nem panelona. Aparece uma assustadora panela quadrada de cozinha de campanha, de uma sujeira secular, mas que por decreto da nonna e entusiasmo dos interessados chega rapidamente a esplendores jamais alcançados.

A lenha que trazem é o símbolo da perfeição teutônica. Todos pedaços iguais, redondos. Pudera, são os escombros da escada de oito metros do palheiro do vizinho.

Páscoa. O tenente de forma inesperada apare-ce em nossa reunião familiar com uma pequena bandeja de doces e à noite, após o toque de recolher, acompanha meus tios e primas até em casa. Os soldados são silenciosos e organizados. Parecem descansar enquanto limpam as armas calmamente. O divertimento é quem consegue disparar menos tiros com a metralhadora rápida que chamam de SCHATZ. Noite. A família em volta da mesa. Eu brincando com massa plástica. Fiz o Gordo e o Magro. Um soldadinho corado e risonho entra à procura de um pouco de lar. Está algo bêbado. Ri ao ver o Gordo e o Magro na mesa. Exclama: Mussolini! e um soco esmaga o Gordo. Hitler! e lá se foi o Magro. Terror geral. Duro como uma estaca, Fritz vai embora. De manhã, preocupadíssimo me rodeia na cozinha. Teme conseqüências.

A gasolina deles é pouca. O tenente pede emprestada minha bicicleta aro 22 para ir ao Comando. Lá vai a Wehrmacht pedalando desengonçada. Mas volta logo, praguejando. O selim solto virou para trás. Sabotagem involuntária. Pobre tenente. Meses após, a moto sidecar onde viaja explode num ataque dos partigiani.

Vão embora. No palheiro abandonado brincamos de pular. No feno, bato as costas numa granada de mão. Uma "ballerina". Mamãe, olha o que achei. Susto. Mamãe telefona para os carabinieri que vasculham tudo.

O rádio toca todo dia "LILI MARLENE". Agourento presságio de fatalidades.

Papai aparece nos fim de semana vindo de Gênova. Cada viagem uma epopéia. Trem, ponte destruída, a pé, caminhonete, outra ponte, trem de novo. Sete, oito horas para perco-rrer 100 Km, e ficar conosco uma noite.

25 de julho de 1943. Cai Mussolini. Os italianos descobrem que nunca foram fascistas, destroem símbolos e aplaudem o que imaginam ser o fim da guerra e das dificuldades.

8 de Setembro. Armistício. Caos. Nosso Exército desmorona. As disposições do governo são ambíguas. Todos querem ir para casa. Soldados desgarrados aparecem na porta mendigando roupas civis. Num quartel da cidade morre um coronel metralhando os alemães que queriam a sua rendição. Uns soldados capturados são enviados para a Alemanha.

Em Gênova, razia nos estaleiros ANSALDO. Papai é apanhado num trem de carga que vai para a Alemanha com todo o pessoal do escritório que chefia. Consegue fugir através de um buraco no teto e se jogar do trem em marcha. Dos que vacilaram, poucos voltarão de MATHAUSEN.

Toda arma tem que ser recolhida. Mamãe entrega o revólver e o lendário rifle REMINGTON do nonno Claudio, reminiscências das aventuras sul-americanas. O primo Giovanni, dezoito anos, é requisitado e irá para a Rússia com a Wehrmacht. Voltará a pé da Áustria em 1945, se revezando com quatro camaradas puxando um carrinho de duas rodas onde um descansa, por turno, enquanto os outros vão empurrando.

Aviões de caça isolados atacam repetidamente. Com minha prima Gladys carregamos entre os dois uma sacola de pêras numa estradinha no campo. Surge um caça em vôo rasante e nos encontramos na linha de fogo que visa a estação da ferrovia. Pulamos no riacho que beira a estrada. Gladys fica irritadíssima comigo porque a joguei na água. De propósito.

Continuam os bombardeios aéreos. Contamos os quadrimotores que a grande altura brilham como centelhas prateadas, 100, 200, uma vez chegamos a contar 700, lembro o medonho ronco oscilante ....... AAA-UUU AAA-UUU , a sessenta quilômetros de distância nos chega o abalo dos impactos em Turim. Cinco bombas acorrentadas no jardim de nossa casa.

O exército alemão está em toda parte. Os jovens fogem para as montanhas. Nascem os "partigiani", poucos por convicção política, a maioria para eludir razias e recrutamento.

Inverno de 1943, frio terrível. À noite os estalos das árvores que racham ao congelar da seiva, a água não corre pelos canos obstruídos. Cada aluno traz um pedaço de lenha para aquecer a sala de aula. Alguém acha graça em colocar um cartucho de fuzil numa acha que quase explode a estufa de ferro. O criminoso não aparece, a classe inteira leva suspensão.

Com o advento da República Social Italiana do novo governo de Mussolini, os italianos se dividem. Os partigiani atacam e somem. Começam as represálias da Wehrmacht e dos "republichini", enquanto não se apresentarem os responsáveis. Razias em Val Varaita, em Val Maira, no revide, sofre a população, lado perverso da guerrilha. A vida de um alemão vale dez vidas de inocentes. São mantidos reféns, revezados toda semana.

Entre eles o tio Giovanni, professor e socialista histórico, herói da 1ª Guerra, presidente da Associação de Veteranos. Perdeu a mão direita ao lançar uma granada. Para aliviar a trágica vigília dos reféns, os familiares levam provisões para os morituros. O vinho, as comidas e a mesa são partilhados com a guarda alemã. Já nas névoas do álcool, o sargento ao lado do tio se ergue repetidamente, cada vez com sonoros HEIL HITLER!, o que acaba irritando o tio, que empurra para a cadeira o sargento, berrando em italiano "sta lì" [fica aí]. O sargento entende Stalin, saca a Luger, descarrega a arma para o teto, ao ser prontamente seguro pelo pulso pelos vizinhos de mesa.

Não tem mais cinema, o rádio alterna músicas com comunicados em que ninguém mais acredita. Os sitiantes ficam ricos com o mercado negro. Proibidas as aglomerações de mais de três pessoas na rua. Na saída do colégio, uma multidão silenciosa na Praça do Mercado. Um enforcado balança das vigas.

Madrugada. Nosso portão é escancarado com estrondo. Motocicletas, carros, caminhões. Os alemães de novo, desta vez não tão aliados. Vão instalar o Comando da área. Um caminhão à nossa disposição, temos que mudar de imediato. Querem ficar com a grande mesa de mármore do avô, supérstite de um passado opulento. Mamãe briga e vitoriosa leva a mesa para o novo lar arranjado na hora. Primeira tarefa no novo lar: tirar palha e estrume do piso. Uma égua requisitada pelo Exército nos cede o estábulo vazio, chorada pelo novo senhorio, o velho agricultor Panero.

Gosto da fazendinha. Troco com Pino, coetâneo camponês, meu carrinho alemão de três marchas por um casal de cobaias que freneticamente se entregarão à reprodução e me obrigarão à ceifa e transporte de toneladas de capim. Decepção. Ninguém consegue comer estes bichinhos simpáticos que finados parecem ratos.

Agora ao lado da Estação da ferrovia, quase diariamente temos a visita do PIPPO, caça americano que se assanha metralhando a pobre Littorina esquecida no desvio. No prado ao lado, duas metralhadoras alemãs matracam de revide. Olhando por cima do último degrau da escada do abrigo, curto o espetáculo todo. Depois vou catar os cartuchos vazios e dourados caídos do avião. Os alemães recolhem cuidadosamente os deles.

As coisas se complicam. A sirene manual da bateria antiaérea nos leva para o abrigo na adega várias vezes por dia.

Os Aliados estão chegando. No colégio nos liberam. Corro para casa. Vazia, ninguém à vista. Procuro a família pela estrada ao lado da fazendinha. Ataque aéreo. Caminhões na estrada. Alemães em retirada enchem os fossos. Berram para que eu pare de correr. Voltamos para casa.

Os partigiani ocupam a cidade num festival de lenços coloridos das diversas tendências. Numerosíssimos. Todos partigiani. Caçam os civis fascistas. Vinganças. Mortes.

Os Alemães se rendem na Itália. Para nós a guerra termina. Viva os Aliados. Viva os Americanos, grandes mocinhos; assépticos bem alimentados. Menos vivas para ingleses e franceses, vencedores duros e quase tão escangalhados como nós. Aparecem as AM-LIRAS, moeda de ocupação com que pagamos as despesas dos Aliados. Vamos para Turim, para casa. Nossa casa é uma ruína, o jardim, uma sucessão de crateras, refugiados a têm invadido. Nada resta de portas e janelas, os móveis pulverizados pelas explosões. Olhamos perplexos. Mas mamãe de improviso lembra das doze garrafas de vinho que meu avô chumbou num vão da adega quando eu nasci. Para serem bebidas na ocasião da minha partida para o serviço militar. Ainda estão lá, à nossa espera, numa silenciosa saudação. Atrás da casa, milagrosamente, se erguem as magnólias.

E assim, junto com a guerra, terminou minha infância.

(1) canção de propaganda que se tornou popular e que enaltecia a aliança entre italianos e alemães.

 

 

Incluir Resposta

×
×
×
×
Link copied to your clipboard.
×