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Os Partisans e a Batalha de Kursk 
Um compÊndio sobre a estrutura do movimento Partisan soviÉtico e sua importância antes, durante e depois da batalha de Kursk.

 

O conflito leste-oeste que se seguiu ao fim da 2ª guerra  mundial jogou uma cortina de fumaÇa sobre vÁrios aspectos da guerra na União SoviÉtica. As potÊncias ocidentais minimizavam a participaÇão dos SoviÉticos e estes por sua vez mantinham dados importantes longe dos olhos dos historiadores para evitar falar sobre os erros que custaram milhares de vidas e que poriam em duvida a capacidade de suas lideranÇas. 

Assim fatos importantes ficaram por longo tempo desconhecidos ou pouco divulgados. Com a abertura e a parcial desagregaÇão da antiga União SoviÉtica estes dados tÊm vindo lentamente à tona e jogam novas luzes sobre episÓdios da guerra os quais jÁ se imaginava não haver nada a acrescentar. 

Os Partisans SoviÉticos. 

O Movimento partisan soviÉtico tinha caracterÍsticas prÓprias que o diferenciavam de seus contemporâneos. Ao contrario dos movimentos partisans iugoslavo, italiano e francÊs, que eram em sua maioria formados por forÇas que se opunham àquelas que estavam no poder antes da guerra, e que portanto se aproveitavam do enfraquecimento destas forÇas para se organizar com vista à tomada do poder polÍtico ao fim da guerra. O movimento partisan SoviÉtico foi formado, treinado e comandado pelo poder central estabelecido. 

Outra diferenciaÇão entre esses movimentos, e esta com importância fundamental para a forma de agir dos partisans soviÉticos, era sua composiÇão de forÇas. Os outros movimentos eram em sua grande maioria formados por lideranÇas polÍticas civis que aglutinavam em torno de si forÇas locais tambÉm civis. Estas lideranÇas as organizavam e treinavam de forma a cumprir seus prÓprios objetivos que às vezes eram combater movimentos rivais tanto quanto aos alemães. JÁ no caso soviÉtico a composiÇão dos grupos partisans foi determinada pelo sucesso do avanÇo alemão. 

Em 1941 o espetacular avanÇo das forÇas alemãs criou imensos bolsÕes em que ficaram presos dezenas de milhares de soldados soviÉticos. às tropas cercadas havia duas alternativas igualmente perigosas: ser capturadas pelos alemães e sofrer todos os tipos de maus tratos ou tentar retornar às suas linhas o que, por estranho que possa parecer, tambÉm era muito arriscado. As severas ordens de Stalin quanto ao tratamento a ser dado a desertores e covardes eram cumpridas com inflexÍvel competÊncia pela NKVD. Assim, retornar às suas linhas poderia significar fuzilamento imediato por deserÇão ou covardia especialmente no que se refere a oficiais. A alternativa mais segura era se juntar aos movimentos partisans locais e desta forma ao mesmo tempo fugir dos alemães e provar sua lealdade ao regime comunista. Estima-se que em fins de 1941 de 50 a 60% dos efetivos partisans eram compostos de soldados e oficiais oriundos das forÇas regulares. Esta composiÇão singular trouxe diversas vantagens à organizaÇão do movimento partisan soviÉtico. A estrutura de comando seguia a lÓgica militar e facilitava o controle a distância. O grande número de oficiais facilitava a troca de informaÇÕes confiÁveis bem como garantia o cumprimento das diretivas do Quartel General Central do Movimento Partisan que dirigia as aÇÕes combinadas de todos os grupos partisans em operaÇão no territÓrio ocupado. 

Os soviÉticos reagiram rapidamente à invasão alemã e compreenderam o valor do movimento partisan. Diversas aÇÕes foram tomadas de forma a dotar o movimento de maior capacidade de organizaÇão e combate. A extensão do front e por conseguinte a incapacidade alemã de manter uma linha Íntegra ao seu longo criava diversos “buracos”. Por estas passagens os soviÉticos faziam entrar e sair armas , vÍveres, e principalmente homens. Comandantes partisans eram trazidos para treinamento em tÁticas de combate; sabotadores treinados eram enviados à retaguarda inimiga, enquanto outros sem experiÊncia eram trazidos para treinamento; feridos eram removidos para hospitais e, em muitos casos, jovens que corriam o risco de deportaÇão para trabalho forÇado eram enviados para traz das linhas russas. Em locais onde as patrulhas alemãs eram mais intensas a aviaÇão soviÉtica, em arriscados vÔos noturnos, cuidou de suprir a falta de contato por terra. 

PreparaÇão 

Em 1943 as forÇas partisans jÁ se encontravam em adiantado grau de organizaÇão. A principal deficiÊncia atÉ então havia sido a falta de rÁdios de comunicaÇão que fazia com que as trocas de informaÇÕes e ordens se fizessem atravÉs de meios pouco confiÁveis tais como oficiais de ligaÇão e pombos correio. Com a intensificaÇão dos fornecimentos aliados atravÉs do Lend-Lease grandes quantidades de rÁdios comunicadores foram recebidos e isto permitiu um planejamento antecipado e coordenado das missÕes de sabotagem. 

Novas tÁticas de combate haviam sido desenvolvidas principalmente no que competia à destruiÇão de ferrovias. Novos mÉtodos de uso dos explosivos permitiam que se pusesse fora de aÇão um trecho de ferrovia com o uso de apenas 75g de trinitrotolueno (TNT) . Na falta de explosivos a regra era arrancar os trilhos que deveriam ser enterrados em zonas florestais ou afundados em pântanos. Eventualmente, quando havia tempo, eram colocados em grandes fogueiras de forma a se obter deformaÇÕes pelo calor. 

Equipes de especialistas foram treinadas a extrair explosivos de bombas e granadas alemãs que caÍssem sem explodir. Na verdade equipes especiais tinham como única tarefa localizar e mapear estes artefatos de forma que fossem usados em ocasiÕes onde houvesse falta de explosivos. 

Alvos prioritÁrios eram tambÉm as locomotivas, vagÕes transportando combustÍvel ou Água, estaÇÕes ferroviÁrias, pontes, etc. Uma ordem especÍfica do Quartel General Central do Movimento Partisan ressaltava que não era o suficiente destruir trilhos, locomotivas e vagÕes. Era imperativo matar as tripulaÇÕes que operavam as locomotivas. 

Havia tambÉm uma polÍtica de premiaÇão para aÇÕes bem sucedidas. Comandantes de unidades eram instruÍdos a comunicar imediatamente os nomes dos homens que participassem de aÇÕes bem sucedidas de modo que fossem condecorados com a maior brevidade possÍvel. 

Desta forma, quando ficaram cientes dos planos alemães para o ataque ao bolsão de Kursk, os soviÉticos planejaram uma enorme operaÇão conjunta de todas as unidades partisans disponÍveis de modo a, no momento certo, interromper toda a atividade de transporte ferroviÁrio na retaguarda alemã. 

REL´SOVAIA VOINA ( Guerra das ferrovias) 

Entre 3 de agosto e 15 de setembro de 1943, os partisans desencadearam uma sucessão de ataques às ferrovias que ligavam as tropas que participavam da batalha de Kursk com a retaguarda alemã. Pelas estimativas soviÉticas os alemães precisariam transportar cerca de 100.000 t de suprimentos/dia para manter a ofensiva, e este movimento de carga seria feito basicamente por ferrovia. Assim, o grosso das brigadas partisans foi empregado em agressivas operaÇÕes de sabotagem contra linhas fÉrreas e instalaÇÕes ferroviÁrias (estaÇÕes, depÓsitos, etc.) principalmente no setor do grupo de exÉrcitos centro (Grenkevich, pÁg. 241).

Esta concentraÇão de esforÇos no setor do grupo de exÉrcito centro alemão demostra a confianÇa e antecipaÇão que os soviÉticos tinham do sucesso de seus planos. O principal esforÇo visava não somente a Área de Kursk mas tambÉm a retaguarda no setor de Orel onde os soviÉticos planejavam lanÇar seu contra-ataque apÓs terem detido os alemães ao sul. 

Antes mesmo da ofensiva partisan os alemães jÁ registravam intensa atividade guerrilheira. RelatÓrios alemães do grupo de exÉrcitos centro indicam que somente em junho de 1943 os soviÉticos conseguiram explodir 44 pontes ferroviÁrias, danificar 298 locomotivas e 1233 vagÕes e interromperam as ligaÇÕes ferroviÁrias 746 vezes (Grenkevich, pÁg. 242). 

A aÇão 

O plano estava dividido em duas fases: na primeira, com duraÇão entre 15 e 60 dias, seria conduzido um intermitente esforÇo para minar as linhas fÉrreas alemãs. A segunda fase envolveria o envio de grupos de sabotagem com 15 a 25 homens para atacar os trechos em que não houvesse sucesso na fase anterior e assim completar a paralisaÇão do trÁfego ferroviÁrio no distrito de Orel. 

Os soviÉticos esperaram de forma que a operaÇão contra as ferrovias se iniciasse no momento mais adequado. O primeiro ataque em grande escala foi desfechado a sudeste das florestas de Briansky que estavam bem prÓximas às ferrovias que supriam os grupos de exÉrcito centro e sul. Em 20 e 21 de julho de 1943, 11 brigadas partisans marcharam cerca de 120 km e atacaram as ferrovias Brianki-L´gov, Briansky-Unecha e Navlia-Khutor-Mikhailovskii. Os alemães levaram trÊs dias para recolocar estas ferrovias em condiÇão de uso. Os partisans de Briansky prosseguiram com seus ataques atÉ o fim de julho. Isto obrigou os alemães a um atraso no transporte de reforÇos quando a batalha de Kursk ainda estava em andamento e gerou uma reclamaÇão formal do general Kluge inconformado com estes atrasos (pÁg 247). 

à medida que os soviÉticos passavam à ofensiva, a necessidade de transporte de reforÇos alemães tambÉm aumentava. Sabedores deste fato, os soviÉticos aceleraram suas operaÇÕes de sabotagem. Na noite de 3 de agosto, de acordo com um sinal recebido do Quartel General Central do Movimento Partisan, 167 destacamentos partisans dos distritos da Bielorussia, Ucrania, Orel, Smolensk, Leningrado, e Kalinin simultaneamente iniciaram operaÇÕes de demoliÇão contra as ferrovias alemãs na retaguarda dos grupos de exÉrcito norte, centro e sul . Este maciÇo ataque ocorreu ao longo de um front de 1000 km de extensão por 1000 km de profundidade. Embora os partisans esperassem conseguir interromper as ferrovias em 26.000 pontos diferentes durante a primeira noite de ataque, eles na verdade foram bem sucedidos em atingir 42.000 setores de ferrovia que somados atingiam 262 km de linha fÉrrea (pÁg. 248). 

O furioso ataque das forÇas partisans continuou ao longo de agosto e setembro. De acordo com fontes soviÉticas, atÉ 31 de agosto foram demolidos 171.000 setores de linha fÉrrea, chegando este número a 214.705 em 15 de setembro. O serviÇo de seguranÇa do grupo de exÉrcitos centro registrou que no mÊs de agosto o número de ataques partisans aumentou em 30 vezes. SÓ os 171.000 setores de linha atingidos em agosto eram equivalentes a 1000 km contÍnuos de ferrovia e, embora o Comando de Transporte alemão contasse com cerca de 50.000 homens envolvidos nas operaÇÕes de reparo, não havia como dar conta de tantos reparos sem afetar seriamente o trÁfego ferroviÁrio (pÁg. 248). 

É preciso fazer aqui um parÁgrafo para se falar sobre os dados acima. Os números fornecidos pelos soviÉticos devem ser analisados levando-se em conta alguns fatores: 

- Muitas vezes os serviÇos de patrulha alemã descobriam e desarmavam as minas colocadas sob as ferrovias. Certas fontes dizem que estes desarmes podem significar cerca de 50% dos artefatos instalados. No entanto, os soviÉticos, que muitas vezes não permaneciam no local apÓs a colocaÇão das minas, contavam estes casos como pontos atingidos, embora as explosÕes não tenham de fato acontecido. 

- Comandantes partisans se tornavam muito populares na mesma medida do sucesso de suas operaÇÕes, assim era natural que tivessem a tendÊncia a super valorizar o resultado de suas aÇÕes. 

- Muitas vezes diferentes grupos partisans atacavam os mesmos trechos de ferrovia, mas como os relatÓrios eram feitos independentemente por cada grupo eram muitas vezes contados como se fossem diferentes trechos. 

De qualquer forma É inegÁvel o sucesso da Rel´sovaia voina. Podemos citar aqui alguns fatos basedos em relatÓrios alemães. 


Na noite de 21 de julho um total de 430 demoliÇÕes aconteceram simultaneamente na principal ferrovia ao sul de Briansky e a linha foi interrompida por dois dias. Pelo final de julho não menos de 1114 ataques em ferrovias do setor central foram reportadas pelos alemães, uma mÉdia de 36 por dia (Cooper, The Phanton war, apud Grenkevich pÁg. 247). 

O grupo partisan Imeni Lenina (em nome de Lenin) foi tão efetivo nos ataques à ferrovia Baranovichi-Luninets que os alemães tiveram muito trabalho para pÔ-la novamente em condiÇÕes de uso em meados de setembro. No entanto em 20 de setembro os partisans atacaram tão violentamente que os novos reparos sÓ foram concluÍdos em 21 de outubro (pÁg. 250). 

Em 3 de agosto, apÓs violentos combates, o grupo partisan Imeni Suvorova (em none de Suvorov), operando no distrito de Minsk, colocou a ferrovia Molodechni-Minsk fora de aÇão por 10 dias (pÁg. 251). 

Na mesma data, o grupo Za Rodinu ( Pela mãe pÁtria) destruiu 1026 trilhos e a ponte ferroviÁria sobre o rio Dubna na ferrovia Gomel-Briansky, por onde passavam não menos que 70 trens por dia. AlÉm disto destruiu trÊs trens carregados com muniÇão, gasolina, bombas para aviÕes, etc (pÁg. 250). 


AlÉm das conseqÜÊncias imediatas sobre a rede de suprimentos alemã, a operaÇão gerou um imenso apelo popular. Durante a sua execuÇão, por exemplo, os partisans do distrito da Bielorussia aumentaram seu efetivo em 17.000 homens. No setor central do front soviÉtico-germânico, o número de partisans em fins de 1943 era 250% superior ao do fim de 1942 (pÁg. 255). 


Conclusão 

Embora os diversos autores não tenham uma opinião unânime sobre os números finais da Rel´sovaia voina, ela foi sem dúvida um grande marco em termos de planejamento, organizaÇão e execuÇão. Quando se leva em conta o tamanho das Áreas atingidas e a complexidade de se controlar simultaneamente as aÇÕes dos diversos grupos operando por trÁs das linhas alemãs É que se tem a real medida do sucesso desta operaÇão independente dos números finais E mais ainda, esta operaÇão serviu como um grande ensaio geral para a operaÇão seguinte, que foi lanÇada em conjunto com a operaÇão Bragation que levou à destruiÇão do grupo de exÉrcitos centro em 1944. Nesta ocasião as liÇÕes aprendidas durante a Rel´sovaia voina levaram à quase completa paralisaÇão do trÁfego ferroviÁrio por trÁs das linhas alemãs. 

(N. do Colaborador) As informaÇÕes deste texto foram extraÍdas basicamente do livro The Soviet Partisan Movement 1941-1944 de Leonid Grenkevich editado e prefaciado por David M. Glantz. 

Algumas passagens foram reescritas ou resumidas para atender ao escopo deste artigo, mas o crÉdito deve ser dado integralmente ao autor do texto original.

 

Fonte deste artigo: Augusto Versiani, baseado em The Soviet Partisan Movement 1941-1944, Leonid Grenkevich, David Glantz

 

Last edited by Augusto
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Dependendo do interesse do comando soviético, alguns grupos de guerrilheiros foram deixados de lado para sucumbir (os ucranianos nacionalistas, por exemplo) e no final da guerra tornaram-se altamente suspeitos pois poderiam se voltar contra o governo. Como gratidão muitos ex-guerrilheiros foram parar nos campos de trabalho forçado soviético (Gulags). 

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