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Resposta to "Qual foi o momento mais ..."

Dia 27 de janeiro de 2013 foi o dia mais triste da história de Santa Maria. Neste dia estava na casa dos pais da minha mulher e soube do incêndio da boate Kiss assim que acordei. Fui procurar na internet notícia dos nossos conhecidos e, graças a Deus, quem tinha ido para lá estava bem. Sabia da mobilização que já estava rolando, mas ia deixar a patroa na rodoviária, pois ela ia voltar para a cidade onde estudava. Assim que o ônibus saiu do box o telefone tocou, o esquadrão estava acionando todos os pilotos. Corri para a base. fui um dos primeiros pilotos a chegar e já havia um Blackhawk pré-voado no pátio esperando pra ser guarnecido.  Lembro que me avisaram no caminho pra pegar o pessoal no centro da cidade e levar direto pro HPS em Porto Alegre, pensei: "Caceta! Onde fica esse hospital ? "Não fazia idéia de carro, ainda mais voando! saquei o GPS do carro e entreguei pro meu copiloto " Bora ! No caminho a gente acha esse lugar ". 

 

Demos a partida no helicóptero e mal taxiamos, decolando da própria taxiway e curvando para o centro da cidade. Pousamos no campo de futebol da Brigada Militar, a zph do esquadrão para emergências  na cidade. Já havia duas ambulâncias nos esperando. Foram embarcados dois pacientes graves. Portas fechadas, macas em segurança e decolamos em potência máxima para POA. Me preocupei em fazer a pilotagem mais suave da minha vida para não agravar o estado das vítimas a bordo. 50 minutos depois já estava circulando sobre o parque da redenção ingressando na final pra pouso na área delimitada pelos bombeiros. Era um campo de futebol de saibro, já a 20ft pro toque a nuvem de terra subiu com o sopro do rotor e engoliu a aeronave "brownout !!" Pra sair tinha três alternativas: arremeter, o que ia demandar mais tempo pro atendimento, aproximar com mais velocidade, mas não tinha espaço pois tinha as traves do gol na minha frente ou pousar mais brusco com o raciocínio anterior, mas poderia agravar o estado do pessoal a bordo. Optei por nenhuma das três alternativas e prossegui a aproximação dentro da nuvem no feeling confiando na informação do rádioaltímetro sabendo que não podia avançar mais que vinte metros. Logo vi o chão pela bolha e pus a aeronave no solo com toda a suavidade possível, já reduzindo os motores para que a nuvem baixasse. Logo tudo ficou claro a minha volta e as ambulâncias se aproximaram para o desembarque dos pacientes. Cabine pronta e motores acelerados, decolei com uma nova nuvem de terra a minha volta e voltei direto para Santa Maria para reabastecer.  Ao chegar vi toda a estrutura montada, com diversos helicópteros dos operadores do RS dando apoio, aviões de transporte de Canoas e da Basm e o avião da presidente. Estacionei no final da base e corri de volta ao esquadrão. 

 

Lá chegando encontrei o operações " Tá pronto?" "Reabastecendo" " ok, assim que terminar decola de novo" "Ciente" no banheiro vi a minha cara cheia de terra e a barba por fazer. Corri de volta pro helicóptero com a mesma tripulação. Decolamos e prosseguimos pro campo da brigada novamente. Forma embarcadas mais duas vítimas.  Dessa vez precisei fazer só metade das coordenações pois já havia uma ponte aérea Santa Maria-poa praticamente estabelecida com as aeronaves envolvidas na operação. A adrenalina estava um pouco mais baixa e tive tempo de olhar pra trás e ver o pessoal da cabine. Havia uma menina novinha enrolada na coberta isolante e um cara da minha idade gordinho e barbudo. O médico foi o voo inteiro ventilando o cara com o balão. Torci para que esse cara sobrevivesse. Novo pouso no parque da redenção, desta vez a brigada tinha molhado o campo e não levantou a nuvem de terra da primeira vez. Feito o desembarque tocamos de volta pra base pra reabastecer. Lá chegando fui rendido por uma nova tripulação.  Já era umas cinco da tarde e a situação estava mais calma. A partir de então os EVAMs seriam com os C-105 Amazonas configurados como UTI. Lavei a cara troquei de roupa e fui pro Farrezão, onde foi montado o centro de atendimento, pois uma amiga enfermeira estava pedindo gente pra doar sangue. Lá chegando parecia cena de guerra. Doações encerradas, tudo bem, amanha a gente tenta de novo. Havia uma fila de caixões e outra fila para o estádio onde os corpos estavam sendo reconhecidos. Vou embora, já tinha muita gente sofrendo e eu não tinha o que fazer nesta hora. Fui logo pra casa tentar descansar. Pelos próximos três dias estive dando o pronto do sobreaviso no nascer do sol. Foi preciso apenas mais um voo, eu era a equipe reserva, não tive que decolar. 

 

Oito meses depois estava na rotina normal do esquadrão. Estava no corredor indo buscar um documento que tinha mandado pra impressora. Cruzei com o comandante Que estava acompanhado por um casal de senhores e um garoto. O comandante me parou e me apresentou para a família. "este foi um dos pilotos que decolou naquele dia". A mãe me deu um abraço forte e começou a chorar agradecendo. O garoto foi salvo por um dos helicópteros e estava bem na minha frente. Não consegui lembrar se estava no meu primeiro voo. Abracei a mãe e a felicitei que tudo tinha dado certo. 

 

 

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