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Resposta to "Qual foi o momento mais ..."

1992. Uma manhã de domingo no Aeroclube de Nova Iguaçu.

Fui até lá atrás de um voo de planador. Não haveria tal voo. Se me lembro eram feitos aos sábados e além disso, o tempo estava frio e um pouco encoberto naquele final de maio.

Fiquei frustrado, pois nunca tinha voado e aquela seria a ocasião. Enquanto eu pegava todos queles papeis sobre cursos de pilotagem (com os preços que eu sabia serem absolutamente proibitivos para mim) minha ex-mulher conversava com o pessoal que estava lá fazendo um churrasco. Vários casais, paraquedistas, pilotos amadores e profissionais, gente que respirava aviação. A turma se sensibilizou com o meu caso e decidiram que eu voaria naquela manhã de qualquer jeito!

Eu tinha alguma grana já separada para pagar pelo voo e só era preciso agora o avião e o piloto. Falaram em Boero. PQP! Nunca tinha ouvido falar coisa boa de um Boero, mas se voava, então servia!

Foram chamar o Comandante Sílvio. O cara tava roncando no hangar, já que tinha tomado umas-e-outras na noite anterior e ainda estava meio "porrado". Tremenda figura"

Combinamos o voo. Minha grana dava pra pouca coisa, mas eu ia afinal, voar! Caminhamos em direção ao pátio das aeronaves e solenes, dormiam o Boero amarelo e branco, umas duas outras aeronaves às quais não dispensei muita atenção e ELE. Um aviãozinho vermelho e branco, de asas baixas. Eu não tirara os olhos do pequenino desde que chegara ao aeroclube. E qual não foi minha surpresa ao ouvir: -Empurra pela raiz da asa! Era o PT-DHN, um Piper Cherokee mais velho que eu. Minha sorte despertou a inveja de alguns que queriam a todo custo aproveitar e tirar uma casquinha no velhote! Mas O Comandante não permitiu. Seríamos nós e o November voando.

Entrei na cabine. O velho guerreiro não estava em sua melhor forma. Algumas borrachas soltas na porta, estofado preto um pouco poído, alguns buracos no painel de instrumentos denunciavam a falta de instrumentos não essenciais - rádio por exemplo.

Porta fechada, motor ligado, cinto afivelado, lá se foi o Cherokee fazer a única coisa que sabia. Em poucos metros, suas rodas já não tocavam mais a pista de Nova Iguaçu. Abaixo de nós apenas as casas simples da região. Inclina para a direita, inclina para esquerda, sobe, desce... Tirei algumas fotos, observei as montanhas ao longe. Absorvia cada segundo. O calor a bordo, as variações do ronco do motor, as nuvens, a sensação física do voo, os instrumentos, o movimento da coluna do manche. Era preciso guardar tudo na mente, pois eu não sabia quando - e se - aquele momento se repetiria. O Sílvio apimentou a experiência: simulou uma perda. Acho que ele queria ver se eu amarelava. Ou então queria saber de que eu era feito. Sequer fiquei tenso. Na realidade, nunca em toda minha vida até então, tinha estado tão calmo.

Pousamos. Foram curtos vinte minutos andando no céu.

"Social" de praxe com a turma do churrasco, piadas, fotos, palavras de incentivo para fazer o curso de pilotagem, "causos" contados pelos que ali estavam confraternizando e eu não conseguia prestar atenção a quase nada do que era dito. Eu estava "para dentro". Meus olhos não saiam do PT-DHN, agora de novo adormecido. Já minha cabeça girava mais rápido que uma turbina de Boeing! Acho que se me amarrassem na asa do Boero, o conjunto quebrava a barreira do som!

Eu minha ex saímos do aeroclube e fomos para uma birosca em frente onde ficava também o ponto do ônibus. Pedimos um refrigerante. Devo ter tomado um único gole e comecei a chorar convulsivamente.

Naquele dia, eu havia descoberto que tivera razão todo o tempo. Minha vida era voar e saber que isso não seria possível por problemas de saúde e falta de grana foi - sem exagero - como uma sentença de morte dada a um inocente. Não havia jeito, eu já sabia disso, mas precisava ter tirado a prova.

Hoje, mais de vinte anos depois, não importa mais. Eu não seria irresponsável em pensar em voar com dores articulares, perda auditiva e uma visão cada vez pior - se isso fosse possível.

Ficou a lembrança daquela manhã, do ronco do motor e da pista de pouso se afastando do velho Cherokee. Acho que o meu espírito estará sempre voando com ele.

 

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