Há 41 anos, Israel lançava um ousado ataque aéreo contra o reator nuclear iraquiano na usina de Osirak.
Texto tirado da Aeromagazine:
https://aeromagazine.uol.com.b...r-de-saddam_854.html
Ataque cirúrgico à usina nuclear de Saddam
Na primeira grande missão dos caças F-16 Fighting Falcon, Israel pôs fim a qualquer possibilidade do ditador iraquiano construir uma bomba atômica
Eu estava nadando na piscina quando ouvi explosões e vi fumaça subindo do outro lado do rio. E o inferno explodiu, com cada canhão da cidade atirando. Mas era tarde demais”, relembrou o britânico Duncan Kirby, em 2006, à BBC News. Era 7 de junho de 1981 e Kirby, aos 21 anos, foi um dos trabalhadores ocidentais que testemunharam o ataque aéreo israelense que arrasou a usina nuclear de Osirak, em Bagdá. Ali se encerrava a possibilidade do regime de Saddam Hussein produzir uma bomba atômica. Quase na mesma hora em que o jovem percebia que algo de excepcional estava acontecendo, a tensão se dissipava entre os pilotos que sobrevoavam o leito do rio Tigre com pós-combustores acionados. Ao ouvir a chamada hesitante: “Eshkol Quatro... Quatro, tudo em ordem”, o comandante da esquadrilha Ze’ev Raz, a bordo de seu F-16A Fighting Falcon, informou aliviado ao comando: “Charlie completo”. Em código, era a melhor notícia possível: “Missão cumprida sem baixas”. O resultado final, os oito pilotos só saberiam depois de pousar na base de Etzion, no deserto do Sinai, então ocupado por Israel.
Planejado em minúcias e executado com precisão quase absoluta, o ataque entrou para a história da aviação pela ousadia, marcando a primeira grande operação do caça General Dynamics F-16 Fighting Falcon – a estreia ocorrera dois meses antes, também com Israel, no abate a tiros de canhão de um helicóptero Mil Mi-8 sírio, no Vale do Bekaa. Duramente criticado pelas Nações Unidas, o bombardeio cirúrgico surpreendeu o mundo. Conhecido como Operação Ópera ou Operação Babilônia, a ação volta à memória três décadas depois, enquanto crescem as tensões no Oriente Médio em meio a informações, ainda desencontradas, de que Israel teria promovido um ataque aéreo em território sírio, além da desconfiança de que o programa atômico do Irã esconde o desenvolvimento de ogivas nucleares a serem lançadas por mísseis capazes de atingir Tel-Aviv.
ESCOLHAS
Os obstáculos para a operação eram imensos: a distância (mais de 2.000 km entre ida e volta), a necessidade de sobrevoar território hostil (Jordânia ou Arábia Saudita) e um alvo bem defendido. Além dos MiG-23 iraquianos, o reator era defendido por baterias antiaéreas quádruplas (ZSU-23-4 Shilka) de 23 mm, duplas de 57 mm (ZSU-57-2 Obyekt 500) e cinco baterias com 60 mísseis terra-ar SA-6, capazes de abater um avião entre 30 e 12.000 m de altitude.
Antes da definição pelo F- 16A Netz (Falcão, em hebraico), a Hel HaAvir, a Força Aérea de Israel, examinou com cuidado as aeronaves de seu inventário, o tipo mais adequado de armamento e os parâmetros da missão. Os caça- -bombardeiros mais numerosos eram o pequeno e leve McDonnell Douglas A-4 Skyhawk, veterano do Vietnã, e o IAF Kfir, uma evolução local do Mirage III. Ambos não possuíam alcance suficiente e seus radares e visores estavam ultrapassados. Os candidatos naturais eram o McDonnell Douglas F-15 Eagle e o McDonnell Douglas F-4E Phanton II. O F-15 Eagle era então o caça mais moderno do mundo. Além de possuir capacidade ar-solo, seu radar doppler não sofria interferência do solo em voos ultrabaixos. Porém, os EUA não haviam fornecido tanques suplementares de combustível e a confiança em seus dois motores em uma missão de longa duração não empolgava. O Phantom parecia ser o eleito. Modernizado e capaz de lançar bombas guiadas, em seu desfavor tinha o alto consumo de combustível e os dois tripulantes, o que dificultaria ainda mais uma eventual operação de resgate. Havia restado o F-16, recém-incorporado, nunca testado em combate intenso e com apenas um motor, uma desvantagem em caso de avaria por fogo inimigo. A seu favor, tinha o pequeno tamanho, grande agilidade e aviônica avançada.
Ao final, a escolha se deu mais em função do tipo de armamento: bombas de queda livre Mk 84 de 2.039 lb (925 kg). Ainda que a Hel HaAvir possuísse em seu arsenal bombas guiadas laser, naquele tempo a confiança nelas não era grande. A opção por bombas “burras” se deu por mera precaução. Os pilotos estavam acostumados com elas e a suíte eletrônica avançada do F-16 se “encarregaria” de indicar o melhor momento para o lançamento – se os parâmetros (velocidade, altitude e ângulo de ataque) inseridos no computador fossem seguidos. As estimativas indicavam que apenas oito bombas dariam conta do recado. Por precaução, o comando optou por oito caças carregando duas bombas cada um. Seis F-15 Eagle fariam a escolta.
FALCÃO HEBREU
O F-16 havia caído do céu para Israel. Encomendados pelo Irã no final do regime do xá Reza Pahlevi, deixaram de ser entregues quando os aiatolás assumiram o poder, em 1979. Encalhados, os 75 caças pintados no padrão camuflagem de deserto acabaram oferecidos pelos americanos ao brigadeiro David Ivri, então comandante da Hel HaAvir, durante uma visita à base americana de Edwards. Impressionados com o desempenho do F-16A nos dogfights simulados, os novos caças chegaram à base de Ramat Davi, perto da fronteira com a Síria, em julho de 1980, onde formaram três esquadrões.
Menos de um mês depois, as equipagens foram transferidas para ensaios no deserto do Negev. Em outubro, quando o ataque é decidido, o perfil da missão já estava delineado. Até uma réplica em escala reduzida do reator foi construída, a fim de adestrar pilotos. Uma série de teste indicou que, apesar da chegada em voo rasante, as bombas deveriam ser lançadas de ângulos entre 30 e 40 graus para que pudessem penetrar a espessa cúpula de concreto do reator. As espoletas foram preparadas para detonar após a passagem do último avião, o que possibilitaria a filmagem do alvo e evitaria que os últimos a passar fossem atingidos por destroços.
Os pilotos escolhidos foram o coronel Ze’ev Raz (no comando da esquadrilha), Amir Nachumi (comandante de outro dos esquadrões de F-16), Amós Yadlin, Dubi Yoffe, Hagay Katz, Israel Shapir, Iftach Spector (o piloto mais velho, de 41 anos) e Ilan Ramon (tenente, o único com posto abaixo de major, seguindo o critério israelense de sempre levar um novato. Em 2003, como coronel, Ramon foi o primeiro astronauta do país, morrendo no acidente com o ônibus espacial Columbia).
Cercados de sigilo, os F-16 decolaram de Etzion às 15h55 (12h55 pelo horário de Greenwich) excedendo em mais de 1.100 quilos o peso máximo de decolagem (16.100 quilos) recomendado. Nem em testes do fabricante o F-16 voou tão pesado. Cada avião carregava, além do par de bombas sob as asas, dois mísseis Sidewinder nas pontas das asas, dois tanques subalares de combustível de 370 galões, um tanque ventral de 300 galões e lançadores de chaff e flare na fuselagem. Após a ignição das turbinas e o acerto nos sistemas de navegação, houve um novo abastecimento com motores ligados para complementar os cerca de 140 litros de combustível gastos em solo. Em condições normais, os F-16A tiravam as rodas do chão após uma corrida de meros 600 metros. De tão pesados, os caças tiveram que usar os 1.700 metros de extensão da pista de Etzion. A esquadrilha se dividiu em dois grupos distantes 4.000 metros entre si, com espaçamento lateral de 600 metros. Dois F-15 acompanhavam a formação, cobrindo a retaguarda, enquanto duas duplas de F-15 cobriam os flancos, prontos para intervir contra os MiG-23 iraquianos ou até os F-15 da Arábia Saudita. Um sétimo F-15 biplace sobrevoava a Arábia servindo como piquete de rádio. No ar também estavam um avião-radar Northrop Grumman Hawkeye E-2C, um Boeing 707 monitorando as comunicações na região, um Lockheed Hércules KC-130 de reabastecimento e helicópteros Sikorsky CH-53 de resgate. Os CH-53 decolaram uma hora antes para que pudessem estar próximos de Bagdá no momento do ataque. O tempo estava claro, mas acima de 30.000 pés (9.000 metros) esteiras de condensação denunciariam a esquadrilha. Entre os pilotos, a expectativa era de duas baixas entre os F-16.
LONGO RASANTE
A partir de Etzion, a rota foi traçada para aproveitar as elevações do terreno, a fim de evitar radares jordanianos e árabes. Em caso de falha de motor, os 14 pilotos deveriam fazer uma subida brusca até 150 metros para a ejeção. Caso fosse captado pelo radar antes de cair, o caça apareceria só uma vez nas telas árabes e passaria apenas como um eco. O silêncio de rádio era total. Curva lenta ao sul, a esquadrilha se agrupa e segue a 90 metros do solo até o Golfo de Ácaba. Ali, com a proteção dos morros circundantes, evitam os radares. Sobre o mar, reza a lenda que sobrevoaram o iate do rei Hussein, da Jordânia, antes de entrar no espaço aéreo saudita. O trajeto incluía passar por 40 quilômetros de desfiladeiros, em um zigue-zague arriscado de sete minutos até o deserto. Naquele trecho, o perigo estava em uma interceptação por caças sauditas da base aérea de Tabuk.
A velocidade de 360 nós (667 km/h) tinha de ser mantida por economia. Com o combustível baixando, após a passagem pela rodovia entre Tabuk e a Jordânia, os tanques das asas (110 quilos cada) foram descartados ao longo dos 60 quilômetros seguintes. Ainda nos testes, os pilotos descobriram que nem os americanos descartavam os tanques em voo enquanto carregavam bombas. Havia o temor, logo descartado, de que o esforço comprometesse a estrutura das asas.
DOIS MINUTOS EM BAGDÁ
Ao cruzar a fronteira iraquiana, o coronel Ze’ev Raz lança o código: “Zebra”. A 10 minutos do alvo, a chamada “Duna Amarela” indicava o sobrevoo do lago salgado Bahr al-Milh, próximo do rio Eufrates. Chuvas recentes haviam inundado uma ilhota que serviria de ponto de referência, o que criou algum nervosismo. A velocidade aumenta para 390 nós (722 km/h) e os radares são acionados. Os F-16 se agrupam em quatro elementos. A velocidade sobe para 480 nós (889 km/h). Os F-15 acionam os pós-combustores, sobem para 6.600 metros em três patrulhas de combate. Uma dupla passa a vigiar as decolagens nas bases de Al-Taqaddum e Habbaniya, ao norte, outra fica com Ubaydah Bin Al Jarrah, a beira do rio Tigre, e a última fica acima dos F-16, de olho nas bases de Rasheed, Muthenna e no aeroporto internacional de Bagdá, mais próximas do reator.
A investida começa a cerca de 20 quilômetros do alvo, às 18h35, no rumo sul-norte, quando o domo de concreto já pode ser avistado no horizonte. Os pilotos acionam os pós-combustores, sobem vertiginosamente a 2.100 metros. “Eu olhava à direita e via Bagdá, à esquerda, o reator”, contou à BBC, em 2006, o então coronel da reserva Ze’ev Raz. A seguir, Raz reduziu o manete de potência e, girando em torno do eixo, mergulhou em ângulo de 35 graus a cerca de 1.100 quilômetros por hora, com o Osirak na mira. Entre 1.300 e 1.100 metros de altitude os F-16 lançam sua Mk 84 com intervalos de cinco segundos cada. As câmeras e a fonia captam o esforço físico dos pilotos na recuperação do mergulho para o voo nivelado. Tiros esparsos de antiaérea surgem na frente do último elemento, mas não há uma reação organizada, muito menos SA-6 e MiGs. A IFF (Identificação Amigo-Inimigo) é ligada para não confundir os F-15. A ação inteira dura cerca de dois minutos.
Das dezesseis bombas, oito abrem rombos na cúpula do reator, outras atingem o pátio e instalações próximas. Duas erram o alvo, sendo que uma não explode. Veterano da esquadrilha e cauda da formação, Iftach Spector revelou em sua autobiografia que sofreu um blecaute provocado pela força G durante a subida brusca, “despertando” tarde demais: “Vi Tammuz à minha frente, mas fora de alcance, e joguei as bombas em cima do que podia, no pátio do reator atômico”. Mais tarde foi descoberto que, meia hora antes, os soldados da guarnição antiaérea do reator haviam desligado o radar e abandonado os postos para um lanche no final do dia. Alguns relatos afirmam que o Mossad, o serviço secreto israelense, instalou uma baliza de navegação nas proximidades para auxiliar os jatos.
A volta é uma corrida cuidadosa com pouco combustível. Ainda no Iraque a esquadrilha abre a formação e sobe a 40.000 pés (12.000 metros), onde enfrenta vento de proa. Com combustível suficiente, os F-15 sobem a 41.000 pés para garantir a cobertura. Para evitar o vento, os F-16 arriscam descer a 38.000 pés (11.500 metros), onde deixam esteiras de condensação. Com todos inteiros, o pouso em Etzion é uma celebração. Cada F-16 contava com apenas 1.000 libras (450 quilos) de combustível. “Ninguém pensou que todos iriam retornar”, afirmou Ze’ev Raz. “Estávamos maravilhados por todos termos pousado sem um arranhão sequer”. Qualquer possibilidade de uma bomba nuclear iraquiana havia se transformado em escombros.
André Vargas | Fotos Divulgação
Publicado em 26/02/2013, às 08h16 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45
Os pilotos, logo após retornarem à base: