Skip to main content

Para os paraguaios, não existe herÓi maior do que Francisco Solano LÓpez, o ditador que hÁ exatos 150 anos invadiu o Brasil e deflagrou a Guerra do Paraguai (1864–1870).

 

As deferÊncias se espalham pelo paÍs. Solano LÓpez dÁ nome a cidade, rodovia, ruas, praÇas, hospitais, colÉgios. A principal via de AssunÇão É a Avenida Mariscal LÓpez (mariscal É o termo em espanhol para marechal). As homenagens vão de academia de tae-kwon-do a parque de diversÕes, de shopping center a time de futebol.

 

O rosto do ditador aparece na moeda de mil guaranis. Faz sucesso entre os adolescentes uma camiseta que, numa licenÇa histÓrica, retrata o mariscal e Che Guevara lado a lado.

 

— Solano LÓpez se transformou numa religião cÍvica — resume Herib Caballero Campos, historiador da Universidade Nacional de AssunÇão e autor do livro El PaÍs Ocupado (sem ediÇão em portuguÊs).

 

É um culto contraditÓrio. A heranÇa de Solano LÓpez foram a derrota e a humilhaÇão. O paÍs ficou em ruÍnas, e pedaÇos do territÓrio foram perdidos para os paÍses vencedores. Estima-se que 75% da populaÇão paraguaia tenha morrido nos cinco anos do conflito, seja no front, seja por fome e doenÇas. A Guerra do Paraguai É o mais sangrento conflito jÁ visto na AmÉrica Latina.

 

Guerra do Paraguai - fotografia acervo digital Biblioteca Nacional

 

CrianÇas e anciãos

 

A guerra derivou das tensÕes  diplomÁticas na região do Rio da Prata. O Paraguai cultivava estreitas relaÇÕes com o Uruguai, pois o comÉrcio exterior dependia do porto de MontevidÉu, mas mantinha um pÉ atrÁs em relaÇão ao Brasil e à Argentina, vistos como expansionistas.

 

O frÁgil equilÍbrio se rompe em outubro de 1864, quando o Brasil invade o Uruguai para intervir numa guerra civil local. O Paraguai protesta, temendo perder o aliado. Como dom Pedro II ignora as reclamaÇÕes, o mariscal toma duas medidas radicais. Em novembro, confisca o navio brasileiro MarquÊs de Olinda, que navegava pelo Rio Paraguai, na altura de AssunÇão, rumo a CuiabÁ. Em dezembro, manda suas tropas atacarem a provÍncia de Mato Grosso. A guerra estÁ declarada.

 

No Uruguai, a guerra civil termina com a queda do governo prÓ-Paraguai. A Argentina se vÊ envolvida no jogo em abril de 1865, apÓs tropas paraguaias invadirem a provÍncia de Corrientes. Em maio, o Brasil, a Argentina e o Uruguai formam a TrÍplice AlianÇa, com o intuito de derrubar Solano LÓpez. No Paraguai, o conflito É chamado de Guerra da TrÍplice AlianÇa.

 

Guerra do Paraguai - fotografia 4 acervo digital Biblioteca Nacional

 

O mariscal chega a obter vitÓrias no inÍcio, mas logo passa a colecionar derrotas. No final, ele se vÊ obrigado a convocar atÉ crianÇas e anciãos às armas.

 

Documentos guardados no Arquivo do Senado mostram que os senadores do ImpÉrio descreviam Solano LÓpez como “tirano” e o comparavam a Napoleão, o imperador francÊs que tentou dominar a Europa.

 

Numa sessão em 1868, um senador leu um documento em que o paraguaio aparecia como “marechal LÓpez”. Houve risos. Os senadores sabiam que ele fora alÇado por decreto ao degrau mais alto da hierarquia militar. Preferiam chamÁ-lo de general.

 

Em janeiro de 1869, as tropas brasileiras ocupam AssunÇão. Em marÇo de 1870, Solano LÓpez É descoberto nas montanhas do norte do paÍs e morto na Batalha de Cerro CorÁ.

 

Terminado o conflito, a lembranÇa que os paraguaios, traumatizados, guardaram de Solano LÓpez foi a do dÉspota que arrastou o paÍs para uma guerra catastrÓfica. A imagem oposta seria idealizada mais tarde, pelos ditadores que se sucederam em AssunÇão ao longo do sÉculo 20. O mariscal passou a ser incensado como um bravo lÍder que lutou por anos para defender os compatriotas e no final deu a vida em sacrifÍcio.

 

Guerra do Paraguai - fotografia 2b acervo digital Biblioteca Nacional

 

— Era a ditadura moderna buscando se legitimar por meio da ditadura do passado. O ditador do momento se apresentava como a continuidade da luta de Solano LÓpez pela soberania do Paraguai — explica Thomas Whigham, historiador da Universidade da GeÓrgia (EUA) e autor de La Guerra de la Triple Alianza (sem ediÇão em portuguÊs).

 

Em 1936, a ditadura do coronel Rafael Franco inaugurou o Panteão Nacional dos HerÓis e nele abrigou os restos mortais do mariscal. Em 1978, o general Alfredo Stroessner patrocinou as filmagens do Épico Cerro CorÁ, que cristaliza a imagem de mÁrtir. O cartaz promocional anuncia “uma histÓria de amor, coragem e sacrifÍcio”. O filme É exibido atÉ hoje na TV.

 

A mesma visão romantizada chegou ao Brasil e à Argentina nos anos 1960. Argumentava-se que a guerra fora tramada por Londres, que supostamente não estava gostando de ver o Paraguai se industrializar sem depender das manufaturas inglesas. A TrÍplice AlianÇa teria sido usada como marionete da Inglaterra.

 

A versão foi ensinada nas salas de aula brasileiras e argentinas atÉ os anos 1990, quando os historiadores enfim se deram conta da ficÇão. Primeiro, o Paraguai não tinha indústria relevante. Depois, se a Inglaterra queria transformar o paÍs em mercado consumidor, não fazia sentido incitar uma guerra que dizimaria a populaÇão. Por fim, as relaÇÕes diplomÁticas entre o Brasil e a Inglaterra estavam rompidas quando a guerra estourou, por causa da Questão Christie.

 

Guerra do Paraguai - fotografia 3 acervo digital Biblioteca Nacional

 

Hoje se entende que essa interpretaÇão era uma forma sutil de atacar as ditaduras que, apoiadas pelos Estados Unidos, governaram o Brasil e a Argentina nos anos 1960 e 1970. Por um lado, atingia-se o imperialismo — o inglÊs e o americano. Por outro, criticavam-se os militares — tanto os que destroÇaram o Paraguai quanto os que haviam tomado o poder em BrasÍlia e Buenos Aires.

 

O Paraguai se tornou um paÍs democrÁtico em 1989, com a queda de Stroessner. No entanto, o culto a Solano LÓpez permanece. Uma explicaÇão É o fato de os horrores do conflito estarem atÉ hoje presentes na memÓria coletiva, como uma ferida não cicatrizada. A existÊncia de um herÓi, ainda que irreal, serve de alento. Outra explicaÇão É o fato de não ter havido liberdade acadÊmica durante os 35 anos da ditadura Stroessner. Professores e pesquisadores que questionaram a versão oficial da histÓria chegaram a ser presos e exilados.

 

Dia de Luto Nacional

 

Os alunos paraguaios sabem de cor o nome das batalhas. É provÁvel que conheÇam mais que os brasileiros o conde d’Eu — o marido da princesa Isabel foi comandante das tropas do ImpÉrio. Entre as datas oficiais, estão o Dia dos HerÓis Nacionais, 1º de marÇo, quando Solano LÓpez foi morto, e o Dia das CrianÇas, 16 de agosto, quando centenas de meninos soldados morreram na Batalha de Acosta ñu.

 

Em julho, um grupo de deputados apresentou um projeto de lei que, sendo aprovado, agregarÁ mais uma data cÍvica ao calendÁrio: o Dia de Luto Nacional pelo GenocÍdio do Povo Paraguaio, em 12 de agosto, quando se travou a Batalha de Piribebuy.

 

O ponto mais conhecido da batalha É o incÊndio de um hospital que resultou na morte dos que estavam internados. Na versão paraguaia, o conde d’Eu ordenou o atentado. Para historiadores brasileiros, as chamas foram provocadas pelas faÍscas das armas e se espalharam pelas paredes de madeira do hospital.

 

— Os paraguaios gostam de refletir sobre o passado. O mariscal LÓpez e a Guerra da TrÍplice AlianÇa são temas onipresentes — afirma o deputado Ricardo GonzÁlez, um dos autores.

 

Guerra do Paraguai - fotografia 5 acervo digital Biblioteca Nacional

 

Na avaliaÇão do historiador Ricardo Salles, autor de Guerra do ParaguaI — Escravidão e cidadania na formaÇão do ExÉrcito (Paz e Terra), a populaÇão paraguaia foi, sim, aniquilada, mas não se pode falar em genocÍdio:

 

— Ainda que tenham ocorrido degolas, fuzilamentos e outras barbaridades, o Brasil não atacou o Paraguai com o objetivo de exterminar a populaÇão. Foi uma guerra. E as mortes não podem ser creditadas integralmente ao Brasil. No final, Solano LÓpez recrutava qualquer um que tivesse entre 12 e 60 anos. Pessoas morreram de fome porque soldados dos dois lados confiscaram o gado e a colheita.

 

O historiador Francisco Doratioto, autor de Maldita Guerra — Nova histÓria da Guerra do Paraguai (Companhia das Letras), diz que É absurdo ver Solano LÓpez como herÓi:

 

— Ele sacrificou um paÍs inteiro inutilmente. O herÓi foi o povo paraguaio, que acreditou na histÓria de que a independÊncia do paÍs era ameaÇada pelo Brasil e pela Argentina. O paraguaio atendeu a convocaÇão para pegar em armas e lutou bravamente, mas pagou um preÇo alto demais.

 

FONTE: AgÊncia Senado 

  

Last edited by Milan
Original Post

Replies sorted oldest to newest

Originally Posted by Rodrigo Calcaterra:

daqui a pouco os "cumpanheiros" indenizam o paraguai.....

 

Nem fale uma coisa destas.. podem gostar da ideia pois já fizeram isto para Bolívia, dando todo patrimônio da Petrobras que lá estava.

 

Milan

Uma ótima historia que nos faz repensar mitos e verdades. Lembrar do passado é poder prever o futuro.

Imagino que Dom Pedro II gastou muito mobilizando para guerra, mas também ganhou muito dinheiro depois, para ele e outros industriais que visavam armar, movimentar e alimentar este exercito. O que realmente estava por traz desta guerra.

O Brasil não dispunha de um exército formado antes da guerra, apenas uma Guarda Nacional formada pela aristocracia brasileira, os chamados “coronéis”, responsáveis por manter a paz, entenda-se por isso, a escravidão vigente, a posse de terras e o abuso de poder.

Alguns aristocratas enviaram seus filhos a lutar na guerra, entretanto a maioria enviou escravos seus para representá-los. Ao longo da disputa, as terras foram necessitando de braços que estavam morrendo nos campos de batalha, descontentes com os prejuízos, os “coronéis” começaram a recusar o envio de escravos ao fronte, a solução encontrada pelo comando militar brasileiro foi adotar a política do recrutamento voluntário, o que recebeu o nome de “Voluntários da Pátria”. Contudo, olhando a História um pouco mais de perto, vê-se que esses voluntários, não iam à guerra por vontade própria, ao invés disso, eram seqüestrados e vendidos para o exército. Eram homens pobres, doentes mentais ou com alguma incapacidade; aqueles que não tiveram recursos financeiros para comprar sua liberdade acabaram tornando-se os “voluntários da pátria”. Além dos “voluntários”, o exército contava com o auxílio de mercenários que lutavam em troca de dinheiro e mesmo assim, o Brasil tinha dificuldade para vencer os paraguaios.

Eu trabalhei numa empresa de telecomunicações que tinha uma unidade no Paraguai, acabei sendo o responsável por acompanhar os negócios dela, e ia com certa frequência para Assunção. Acabei fazendo amizade com o responsável local e conversamos muito sobre este assunto, e pude perceber que há um ressentimento muito profundo sobre esta Guerra.

 

É óbvio que as pessoas mais esclarecidas entendem que o contexto histórico da época da Guerra é muito diferente do que ocorre hoje entre os dois países e suas populações, mas eles sabem bem que a "miséria" do país teve origem na quase aniquilação da população economicamente ativa da época.

 

 

Pois e...e depois os americanos e que sao dados a guerrear, etc......

 

Nos brasileiros, de mocinhos, nao temos nada...e temos nosso passado para provar isso...

 

Infelizmente, quando os politicos sao mal intencionados, quem paga e a pobra da populacao...

 

Edilson 

Incluir Resposta

×
×
×
×
Link copied to your clipboard.
×