O final da tarde de 23 de novembro de 1949, na cidade paranaense de ParanavaÍ, foi marcado por um acontecimento notÁvel, que nunca serÁ esquecido por todos os que o presenciaram. Era inÍcio da noite quando a populaÇão ouviu os motores de um grande aviao sobrevoando a cidade em cÍrculos. O aeroporto de ParanavaÍ, na Época, era uma pequena faixa de grama, utilizÁvel apenas durante o dia, e nenhum voo era esperado àquela hora
Observando a aeronave circulando vÁrias vezes a cidade, os moradores perceberam que talvez a aeronave estivesse com problemas, e precisasse fazer um pouso de emergÊncia. No Bar LÍder, que ficava no centro, algumas pessoas tomaram a iniciativa de levar os carros e caminhÕes para o aeroporto, e sinalizÁ-la com o uso dos farÓis dos veÍculos. No caminho, varios moradores aderiram à caravana e rapidamente a pista ficou cercada por farÓis acesos, que a demarcaram com bastante precisão.
O pouso do avião não demorou. O piloto, vendo as luzes, imediatamente rumou para a pista gramada e fez um pouso perfeito. O povo de ParanavaÍ, à Época um simples e pequeno distrito de Mandaguari, nunca tinha visto um avião tão grande, e ficou impressionada. Era um grande quadrimotor Douglas DC-4. As pessoas se perguntavam: de onde teria vindo essa aeronave, e qual seria o seu destino?
As portas do avião se abriram e um tripulante apareceu, perguntando para as pessoas abaixo: Isso aqui É Brasil? Uma pessoa no meio da multidão respondeu gritando: Não, isso aqui É ParanavaÍ! Logo, os ocupantes do DC-4 estavam descendo do avião: eram 8 tripulantes norte-americanos e 74 passageiros mongÓis. O comandante do avião logo esclareceu: Seu voo era uma missão da ONU, e trazia da MongÓlia esses passageiros que eram refugiados da ofensiva comunista chinesa, que então invadia aquele paÍs. Seu destino era Assuncion, no Paraguai, onde os refugiados iriam encontrar asilo polÍtico e comeÇar uma nova vida.
Todavia, o avião encontrou pÉssimas condiÇÕes atmosfÉricas antes de chegar ao seu destino. Tentou traÇar uma rota para o Rio de Janeiro, sua primeira alternativa. Durante esse tempo ficou com pouco combustÍvel e comeÇou a procurar um campo de pouso nas então escassas cidades existentes na região, e acabou sobrevoando ParanavaÍ, onde a populaÇão se movimentou e salvou a situaÇão
A aeronave era da companhia americana Transocean Air Lines, e levava o nome de “Taloa Guam” escrito no nariz. Essa etapa do vÔo tinha comeÇado em Lima, no Peru. O comandante era o experiente piloto Harvey Rogers. Essa empresa foi contratada pela ONU para trazer refugiados chineses e mongÓis para as AmÉricas do Norte e do Sul, atravessando o Oceano PacÍfico. A foto abaixo mostra um DC-4 da Transocean pousado na escala do HawaÍ.
Transocean em Honolulu
O comandante Rogers e seu navegador, John Roenninger, examinaram as cartas e chegaram à conclusão que deveriam estar em um lugar denominado “Lovatt”. Não havia nenhum “Lovatt” em algumas cartas, mas o nome do lugar foi logo reconhecido pelos moradores, era a antiga denominaÇão de Mandaguari. O nome da cidade foi mudado por engano durante a Segunda Guerra Mundial por alguma autoridade do governo, que achou que Lovat pudesse ser um nome alemão. Na verdade, Lovat era o nome de um Lorde inglÊs, dono da empresa colonizadora do norte do ParanÁ, portanto um aliado, e não um “inimigo”.
Um dos DC-4 da Transocean, em rara foto colorida, nas Filipinas
O problema que se apresentou a seguir foi: onde acomodar esse pessoal todo? ParanavaÍ era uma pequena cidade de 10 mil habitantes, e não havia hotÉis suficientes. O mÉdico OtÁvio Marques de Siqueira logo ofereceu uma soluÇão: mandou todos para o Hospital do Estado, do qual era diretor. A esposa do mÉdico se responsabilizou pelas refeiÇÕes. A comunicaÇão era muito difÍcil: nenhum dos mongÓis falava InglÊs, e muito menos PortuguÊs. Mas isso não impediu que as pessoas fossem bem acolhidas e assistidas na cidade.
O Taloa Panama, idÊntico ao Taloa Guam que pousou no ParanÁ
O grande avião ficou cinco dias estacionado no aeroporto, atraindo curiosos de toda região. Virou atraÇão turÍstica. A ForÇa AÉrea Brasileira despachou para ParanavaÍ uma equipe para atender o caso. A aeronave estava intacta, e sÓ precisaria ser abastecida para prosseguir viagem. Todavia, a pista curta e gramada não permitiria a decolagem segura de uma aeronave muito pesada. Os tanques tinham sÓ 250 galÕes de gasolina, o que daria para alcanÇar o aeroporto de Mandaguari, sede do municÍpio, onde a pista era bem melhor e pavimentada. A FAB cederia algum combustÍvel em Mandaguari.
DC-4 da Transocean
A tripulaÇão tomou a providÊncia de aliviar o peso do avião, enviando todos os passageiros e suas bagagens de Ônibus para Mandaguari. Removeram algumas poltronas tambÉm e as enviaram de caminhão para Mandaguari.
Rara foto colorida de um dos DC-4 da Transocean
A decolagem de ParanavaÍ não apresentou dificuldades. Os tripulantes nunca viram um DC-4 acelerar e subir tão rÁpido, pois estavam acostumados a decolar o avião carregado e com bastante combustÍvel a bordo.
Em Mandaguari, a histÓria se espalhou, e quase toda a populaÇão se apinhou no aeroporto, para aguardar a chegada do avião. Embora Mandaguari jÁ fosse fosse atendida por aeronaves comerciais Douglas DC-3, quase ninguÉm tinha visto um quadrimotor. O aeroporto parecia uma festa, com carrinhos de pipoca e algodão doce. Muita gente chegou ao local na carroceria de caminhÕes, e a cidade ficou quase deserta, todo mundo estava no aeroporto.
Desenho de perfil do Douglas DC-4
A chegada do DC-4 em Mandaguari causou uma outra situaÇão embaraÇosa. Por essa Época corriam boatos de que Hitler estaria vivo e morando em algum lugar da AmÉrica do Sul. A chegado do DC-4 a Mandaguari provocou um alvoroÇo na colÔnia alemã na região, que foi ao aeroporto vestida a rigor, e convidou a tripulaÇão para um grande banquete, para tentar saber se o voo tinha alguma coisa a ver com Hitler. A decepÇão foi evidente.
Logo a tripulaÇão e os mongÓis embarcaram, e a aeronave foi abastecida com 1.000 galÕes de gasolina cedidas pela FAB. Decolou então em seguranÇa para Curitiba, onde foi completamente abastecida, e de lÁ completou a viagem para Assuncion. Esse episÓdio foi, entretanto, o acontecimento do ano em ParanavaÍ e Mandaguari.
Fontes das fotos e texto: Transocean Air Lines (http://www.taloa.org), Arue Szura (Folded Wings: Histoy of Transocean Airlines), Jorge Ferreira Estrada (Terra Crua, 1961), Diva Carmona (testemunha ocular em Mandaguari), David Arioch (davidarioch.worldpress.com), Jornal ParanÁ Norte (Londrina, 1949).
Fonte: http://culturaaeronautica.blog...ricano-pousa-em.html do Jonas Liash