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A Batalha do Riachuelo

 

Em lembranÇa a data magna da nossa marinha, vou colocar aqui um resumo do relato da Batalha do Riachuelo, contada pelo comandante da canhoneira Araguari, 1o. Tenente Antonio Luiz von Hoonholtz, em uma carta endereÇada a seu irmão Frederico von Hoonholtz em 22 de junho de 1865.

 

 - A 11 do corrente afinal foi o meu batismo de fogo quando a esquadra brasileira bateu-se com denodo contra inimigos valentes, guarnecendo uma esquadra de 14 unidades, das quais 8 vapores de guerra e 6 baterias flutuantes guarnecidas de canhÕes de calibre 68 e 80.
AlÉm da esquadra, os paraguaios traziam um reforÇo de mil e tantos homens escolhidos para a abordagem, junto com possantes viradores destinados ao reboque das presas.

O local dos embates se deu em um trecho do rio ParanÁ, na curva pronunciada onde desÁgua um insignificante riacho sem nome, El Riachuelo, ladeado de barrancas inÇadas de canhÕes e de estativas de foguetes à CongrÈve secundadas por infindas linhas de atiradores, tudo isto mascarado pelo matagal e valas paralelas à margem.
A 25 de Maio último, atacamos a cidade de Corrientes (Argentina) que se situa na margem esquerda do rio ParanÁ, sendo a margem fronteira (o Chaco) desabitada e coberta de bosque e de alagadiÇos.
Ora, como deves saber, os paraguaios estavam hÁ muito de posse desta cidade argentina, de onde haviam sido desalojados e varridos para o interior pela artilharia da esquadra brasileira que protegeu as forÇas aliadas de desembarque.

O General argentino Paunero e o Tenente brasileiro Tiburcio, com o maior denodo, rechaÇaram para fora da cidade as forÇas de ocupaÇão, bivacando nos seus abarracamentos; mas no dia seguinte Paunero compreendeu que sua situaÇão seria insustentÁvel logo que o grosso do exÉrcito de Robles o obrigasse a triste condiÇão de não se afastar da margem, onde somente estaria seguro sob a proteÇão dos nossos canhÕes.
Resolveu pois reembarcar com a sua tropa nos transportes Pavon e Pampero e regressar rio abaixo para Goya ou Esquina, comboiado pela canhoneira ItajaÍ, que por esta razão não teve a fortuna de tomar parte na batalha do dia 11 de junho.

Por sua vez o Chefe Barroso, cuja missão era bloquear o rio, entendeu mais vantajoso aos exercÍcios da esquadra o amplo fundeadouro que
se oferecia do lado do Chaco, um pouco abaixo de Corrientes e fronteiro aos laranjais por detrÁs dos quais aparecia um monumento denominado simplesmente "La Columna".

No ponto em que o rio mais se estreita, entre o grupo de ilhas (Las Palomeras) e a Punta de Santa Catalina, a alta barranca deste nome É separada da que vem de Corrientes por uma quebrada em que serpeia um riacho – El Riachuelo.
Foi neste trecho de difÍcil navegaÇão; num canal tortuoso, entre dois bancos perigosÍssimos, que nos batemos um dia inteiro em contÍnuas evoluÇÕes.

Segundo boatos aterradores e das confissÕes obtidas em interrogatÓrio aos prisioneiros, contaram que Lopez, alÉm da esquadra que desde muito preparava, reforÇada ultimamente pelo Paraguari, construÍdo na Inglaterra como os demais, e ainda pelo Marques de Olinda (nosso) e pelos dois vapores de guerra tomados aos argentinos em Abril – o Gualeguay e o 25 de Mayo, tambÉm fizera construir em segredo vÁrias baterias flutuantes blindadas e dois formidÁveis couraÇados, todos armados com os maiores canhÕes da AmÉrica.

Acrescentaram os novelistas Correntinos e os prisioneiros paraguaios, que em AssunÇão, as oficinas de construÇão dirigidas por ingleses operavam milagres, e que em HumaitÁ os artilheiros eram todos estrangeiros.
Tudo isto era bem possÍvel, pois que o Brasil desde a cÉlebre expediÇão Pedro Ferreira, em 1855, nunca mais se ocupara desses pÉssimos vizinhos; mas felizmente tais notÍcias longe de nos entibiar o ânimo serviram ao contrÁrio para tornar mais ardente o nosso desejo de enfrenta-los.
Bater um inimigo fraco não nos traria glÓria, nem honra.
EstÁvamos preparados; a demorada viagem da nossa esquadra (cerca de dois meses desde Buenos Aires) tivera a vantagem de familiarizar-
nos com as evoluÇÕes em rio e dar-nos ensejo de bem exercitar as nossas tripulaÇÕes.
Efetivamente cada comandante procurava sobressair ao outro na melhor distribuiÇão do seu pessoal, na disciplina de bordo e na perÍcia de seus artilheiros; ao passo que os oficiais timbravam na manobra rÁpida dos grossos canhÕes e na prÁtica de estimar as distâncias para as pontarias.
Na terrÍvel monotonia dessa vida de bordo, comendo mal, bebendo uma Água impossÍvel e martirizado dia e noite pelos mosquitos, nada me era mais agradÁvel do que a diversão que me proporcionavam os múltiplos exercÍcios quotidianos de combates simulados figurando todas as hipÓteses, inclusive a abordagem e o incÊndio.

 

Continua...

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Legal que gostes, temos muita história importante aqui mesmo na América do Sul, e mais específicamente, no nosso país e que merecia mais destaque.

Me parece que a política anti-belicista e de se evitar de falar sobre nossas lutas e revoluções é dirigida pelos poderosos deste país no intuíto de evitar a ebulição da população.

Mas continuando...

 

 

O dia 11 de Junho, que era domingo da Trindade, amanheceu fresco, sereno e iluminado por um sol brilhante a resplandecer num céu sem nuvens.

Como de costume, terminada a baldeação preparava-se o navio para a mostra geral que eu devia passar depois do almoço da guarnição.

Por minha parte, tomado o banho frio da manhã e depois de feita a toalete domingueira, saboreava eu na câmara a canequinha de café, quando súbito o Guarda-Marinha Rodrigo de Lamare, que estava de quarto, gritou-me, abrindo a gaiuta: "Comandante, o navio da vanguarda faz sinal de inimigo a vista!".

"Mande tocar a postos!" respondi, e engolindo o último trago do meu café galguei a escada e em dois tempos atravessei a tolda e trepei no passadiço, meu posto de comando.

Os tambores rufavam, os clarins soavam clangorosos em toda a esquadra e os apitos trilavam chamando cada um para seu lugar de combate.

O Imediato Eduardo de Oliveira na proa, metia já a amarra dentro a por o ferro a pique; o Meunier e o Castro Menezes faziam abrir as portinholas e os rodízios dos canhões de 68 cal. em bateria, o de Lamare passava revista às peças de 32 cal. e às de campanha para entrega-las aos Tenentes do Exército Erasmo e Bion e vir depois postar-se na escada do passadiço as minhas ordens; o médico, Dr. Soares Pinto, correra para a enfermaria; o Comissário Manoel Cândido e o Escrivão Creoncides para os paióis da pólvora e das bombas; o Maquinista Walker e seus auxiliares preparavam a máquina; o Guardião Antônio de Souza postara-se ao leme com mais dois timoneiros, e o Prático Montóvia a sotavento, sobre uma saliência preparada ad hoc no costado, em completo abrigo, e de onde via o homem do leme e era visto por mim.

O Tenente Sá com o seu contingente de oficiais e praças do 9º Batalhão tomara logo posição ao longo da amurada de estibordo em linha de atiradores.

Enfim, durante 10 minutos foi um "fervet opus" como nos exercícios costumeiros, porém desta vez a chamada a postos era "pour de bon".

Enquanto isto se passava na tolda e nos paióis, saía o bom carvão das carvoeiras para substituir a lenha verde do Chaco, e logo rapidamente a

pressão subia nas caldeiras.

Soavam 08:30hs da manhã quando lá em cima surgira, por detrás do basto arvoredo da ponta do Chaco fronteira a cidade de Corrientes, o primeiro vapor inimigo.

A reboque trazia uma embarcação de forma indefinida; parecia nesta distancia, mesmo com o auxílio do óculo de alcance, uma longa prancha

sobre a qual formigava uma multidão em movimento.

Depois, segundo vapor, maior e de dois canos, puxando idêntico reboque, emergiu do matagal da ponta do Chaco e navegando nas águas do

primeiro seguiu da esquerda para a direita a demandar a curva que forma o porto da cidade de Corrientes.

À medida que os primeiros desapareciam encobertos pela ponta da margem oposta que se estende ao sul da dita cidade, outros vapores

inimigos se iam projetando na curva longínqua do rio.

Contei 8 bons vapores e 6 baterias flutuantes.

Os vapores pareciam mais alterosos do que eram na realidade, como depois verifiquei, e a razão era a seguinte: trepados sobre a borda de

estibordo, traziam, formados em fila, os soldados escolhidos e destinados à abordagem!...

Essa fila unida de homens de calça branca e blusa vermelha parecia a mim, de longe, a uma pintura da parte superior do casco, em duas fachas

ou bandas longitudinais, uma branca e outra encarnada!... mas era gente.

Esta exibição era como um belo alvo para os nossos atiradores...

Solano Lopez ao ordenar essa ostentação de forças, sem duvida no intuito de nos amedrontar, não conhecia ainda o efeito da metralha.

Como vais ver, esses coitados representaram desde o começo da ação o triste papel de "chair a canon".

Ao ver a esquadra inimiga navegando em direção a Corrientes e ali desaparecer, supus que Mezza pretendesse esperar-nos nesse ancoradouro; entretanto compreendi mais tarde que a manobra tivera por fim diminuir as distâncias e regularizar a marcha das diversas unidades, pois quando os inimigos apareceram de novo dobrando a ponta que os ocultava (da margem direita) formavam uma fila cerrada.

Tanto melhor, pensei eu, "nenhuma das nossas balas será perdida...".

Com efeito, apenas o primeiro desses belicosos visitantes despontou fora da dita ponta logo a Belmonte, nossa testa de coluna, saudou-o com

uma melancia de ferro que lhe devia ter produzido um efeito desagradável, pois que, contestando-o incontinente, deu ao mesmo tempo toda a força à máquina e desceu pelo canal de Leste.

Os demais navios e chatas, que velozmente o seguiam, responderam aos nossos canhões não só com a grossa artilharia de que estavam armados

como com a fuzilaria que não nos alcançava!

Escusado é dizer-te que os canhões brasileiros mostraram para o que prestavam.

Felizmente para os paraguaios a passagem águas abaixo não durou muito, e embora tivessem descarregado todas a suas peças sobre as nossas nove unidades, contudo, acossados pelas bombas e balas rasa de nossos rodízios que pelo seu grande alcance os acompanharam até

desaparecerem atrás das ilhas Palomeras, a mortandade fora enorme (segundo contam os prisioneiros) e já as avarias eram consideráveis

quando transpuseram a Punta Santa Catalina e se ocultaram as nossas vistas.

Ao vê-los desaparecer fiquei intrigado...

 

Continua...

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Que manobra seria essa?

Teriam fugido?

Ou seria o plano de Mezza romper o bloqueio, e, confiado na boa marcha da sua esquadra, descer rapidamente com o fim audacioso de bombardear Buenos Aires, ou apoderar-se de Montevidéu onde contava com o auxílio poderoso dos Blancos?

 

Enfim, mostraram-se de novo os inimigos a umas 4 milhas de distância, e desta vez aproados águas arriba.

Que alívio! Imagina, se tivessem escapado águas abaixo, o terrível steeple chase que se estabeleceria! Nem quero pensar em tal...

 

Não fugiam pois, ao contrário, subiam a bater-nos...

Mas, longe de fazerem rumo para a larga cancha que ocupávamos, vi com estranheza que contornavam a Vuelta del Riachuelo (situada, como disse, a 4 milhas abaixo da nossa esquadra), e ali foram tomando posição em uma longa fila que se ia arrimando a barranca coberta de espessa mata da margem correntina.

A passagem águas abaixo fora apenas o prólogo deste drama sensacional, e, como eu de óculo em punho explorava atentamente o cenário antes de pisar no palco, vou te explicar o que vi e o que me descreveu o prático, que eu chamara para o passadiço, enquanto não recomeçava o fogo.

 

Entre parêntesis: Todos os nossos práticos são estrangeiros e, entretanto muitos se portaram divinamente.

Como sabes, eu no Rio de Janeiro fiz questão de não trazer a bordo senão brasileiros, e apesar disto tive de fazer duas exceções: em favor do 1º Maquinista Walker, inglês envelhecido no serviço de nossa marinha, e do Mestre Bernardo, oficial marinheiro português de comportamento exemplar, os quais fizeram questão de acompanhar-me e me tem prestado grandes serviços.

 

Quando porém em Buenos Aires me impuseram um prático estrangeiro, revoltei-me. Entregar a embarcação do meu navio a um mestre de golêta , carregador de mate e laranjas do Paraguai, era duro para um comandante que subia a bater os seus fregueses...

Mas que fazer se esses gringos são os únicos vaqueanos do extenso rio Paraná!

Aceitei pois o Prático Montóvia, tipo rude e antipático que logo no primeiro mês de viagem pregou-me uma peça formidável.

 

Vem a pelo contar-te este caso.

 

A 27 de Abril, depois de haver cumprido uma ordem do Chefe Segundino – que me incumbira de esperar em La Paz e tomar a meu bordo um emissário do General Cáceres – navegava eu a toda a força para reunir-me à divisão da Vanguarda, quando notei com desagrado que o Prático no passadiço travava animada conversação com um gaúcho, ordenança desse meu passageiro.

Aproximando-me do grupo, percebi que o cavalariano tratava da tal fantástica esquadra de Solano Lopez; porém logo calou-se, e desceu do passadiço deixando o interlocutor visivelmente preocupado.

O dia estava esplêndido, nem uma nuvem, sem uma ruga na superfície espelhada do rio.

De repente, um choque deteve a marcha trepidante da Araguari...

 

 “Parar a máquina!”... gritei para baixo...

 

“Atrás!... Atrás a toda a força!...”.

 

Inútil... Tudo em vão!... A Araguari encalhara estupidamente sobre um extenso banco de areia cujos contornos não poderiam ter escapado a um vaqueano.

Para desencalha-la passei pelos transes mais aflitivos e a minha guarnição estafou-se durante onze dias em verdadeiros trabalhos de Hércules.

Atende somente a isto:

Em roda do navio amontou-se a areia, sendo preciso cavar à enxada e à pá, para que pudessem atracar duas golêtas (sumacas) que detive na

passagem e que mediante boa remuneração se prestaram a receber a bordo não só o carvão, os mantimentos e sobressalentes, como toda a minha grossa artilharia!

Em outra carta te contarei por miúdo os episódios que se deram a bordo nessa mal-aventurada viagem até de novo reunir-me à

esquadra.

 

Quando me vi, a 9 de Maio, livre do maldito banco, respirei aliviado, e depois mandei formar a guarnição na tolda, e, em presença dos oficiais, fiz comparecer o culpado (o prático) a quem dirigi em tom severo as seguintes palavras:

 “Você ao engajar-se apresentou carta de vaqueano de todo o rio Paraná e acompanhou-a de atestados comprovantes de sua perícia.”

“Considero pois esta encalhada em pleno dia como proposital e portanto um ato de traição!”

“Não lhe inflijo por esta vez o castigo que merece, mas previno-o e grave isto na memória, que, se por culpa sua a canhoneira do meu comando encalhar quando tivermos o inimigo à vista, ato contínuo mandarei fuzilá-lo!”

 

Bem compreendes que eu não faria isso; porém, atendendo as circunstâncias do momento, aos enormes prejuízos causados aos cofres brasileiros, e a má vontade que lhe votava toda a guarnição, ele, - de tudo causador – não podia duvidar da realização dessa ameaça.

Hoje está provado que o efeito desta solene intimação foi magnífico.

 

Continua...

Hoje está provado que o efeito desta solene intimação foi magnífico, pois estávamos em constante evolução por estreitos canais, a tangenciar as margens dos bancos mais perigosos, e nem de leve rocei neles, graças ao prático.

Quando o Amazonas içou o sinal –

 

Bater o inimigo o mais próximo que cada um puder –

 

mandei o prático para seu posto de combate, um abrigo seguro preparada de antemão em cada lado do costado e onde ele ficaria sempre no bordooposto ao fogo do inimigo, mas sob as minhas vistas, bem entendido, pois que do passadiço eu dominava todo o navio.

A Belmonte, sendo a testa da coluna, virou logo águas abaixo.
A tática a seguir era intuitiva e tão simples que não necessitava de mais sinal algum: virar por contramarcha guardando as distâncias; passar a quarto de força diante do inimigo, batendo-o com a artilharia posicionada a bombordo e com a fuzilaria resguardada pela amurada e postada nos cestos de gávea, até a ponta de Santa Catalina.

Alcançada a cancha virar de novo por contramarcha, e assim, aproando à corrente, avançar a toda a força fio acima senhores dos nossos movimentos e podendo emparelhar-nos com a esquadra inimiga e bate-la, desta vez com todo o nosso poder ofensivo funcionando a estibordo.

Os navios aproados a corrente avançariam ou deixar-se-iam cair à ré segundo a conveniência de cada um, e desta forma, em menos de uma hora liquidaríamos o inimigo que voluntariamente se imobilizara.
Esta era a minha firme convicção ao dar ordem à maquina para seguir avante.

Como disse, a Belmonte virou águas abaixo; seguiu-a o Jequitinhonha (Comandante Pinto) tendo a tremular no topo o pavilhão do Chefe
Segundino.

Por sua vez virou a Parnaíba (Comandante Gracindo); seguindo-se na ordem em que estávamos: a Iguatemi (Comandante Coimbra); o
Beberibe (Comandante Bonifácio); a Mearim (Comandante Elisiario Barbosa); o Ipiranga (Comandante Alvaro de Carvalho), e a Araguari,
do meu comando, na cauda da linha por ser eu o mais moço e o mais moderno em patente.
O Amazonas (Comandante Britto) que arvora o pavilhão do Chefe Barroso, não virou águas abaixo; conservou-se onde estava, pairando sobre rodas para assistir ao desfilar dos seus comandados, tendo nessa ocasião substituído o sinal anterior pelo mais expressivo do nosso velho Regimento: “O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever!”.

 

A volta era feita contornando o navio chefe de modo que depois de subirmos até ele, descíamos em linha de combate e na melhor ordem.
Quando a Belmonte (Comandante Abreu) investiu o canal da Palomera faiscou de repente através do mato da barranca um relâmpago... e outro, e mais outro, acompanhados do imponente ribombo do canhão.
Uma bateria que ninguém suspeitava desmascarou-se furiosa em toda a extensão da curva até a boca do Riachuelo, onde emendava
com a linha das 14 unidades da esquadra do Mezza, ainda secundada pela fuzilaria e pelos foguetes a Congréve do alto da Punta de Santa
Catalina!!!

O Jequitinhonha, navio chefe da vanguarda, vendo isto virou outra vez águas arribas sem dúvida para tomar posição com a sua Divisão
justamente pelo través do inimigo; e assim entendemos todos, pois que a Parnaíba imitou-o, e todos os demais navios executaram a mesma manobra, sempre por contramarcha a fim de evitar confusão e abalroamentos.
A Belmonte que navegava na vanguarda não se apercebeu dessa manobra e continuou a descer a toda a força, mesmo porque, engajada naquele canal estreito, não podia proceder de outra forma.
Suportou pois sozinha o primeiro fogo de Bruguez e de Mezza, mas o grosso da nossa esquadra não se fez esperar e entrou logo em ação.
Se o Jequitinhonha, que tomara posição acima do casco do Bergantim (consulta a planta) ficara ao alcance da bateria, imagina a posição crítica e arriscada em que ficou a minha Araguari, última da linha e por conseguinte a primeira de baixo para cima pela inversão da ordem de marcha!!!

Este ato de Gomensoro tem sido muito censurado, porém é minha opinião que nesta evolução ele não fez mais do que cumprir a ordem

 

– Bater o inimigo o mais próximo que cada um puder.

 

Ficamos, na verdade (isto é, as últimas canhoneiras), a tiro de fuzil do inimigo, dando-lhe a vantagem pelo número de bocas de fogo e não
tirando nenhuma do grande alcance de nossos rodízios, porém esse erro não deve pesar sobre seus ombros...

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Só o que te digo é que com tal manobra vi-me durante cerca de duas horas metido nas profundezas do inferno, tal o fogo e o horroroso troar dos canhões, acompanhado pelo berreiro dos paraguaios que se batiam debaixo de gritos e alaridos como que para se encorajarem mutuamente ou para amedrontar-nos.

Nunca vi coisa assim!

 

Tinhamos caido em uma emboscada, habilmente preparada...

A Belmonte, arrombada ao lume d’água pela bomba de uma chata, não pode mais reunir-se a nós e para não ir a pique teve de procurar a salvação num banco junto a ilha Cabral.
Assim pois desde 10 horas da manhã a nossa linha de batalha ficou reduzida a oito unidades, contra as quatorze de Mezza, apoiadas nas trinta peças de Bruguez e na numerosa infantaria de Robles.
A artilharia troava sem cessar de parte a parte, e às vezes era tal o ribombar dos canhões e o estourar das bombas que nem com o porta-voz eu podia fazer-me ouvir, sendo necessário mandar minhas ordens a proa e a ré por intermédio do Guarda-Marinha Rodrigo de Lamare, cujo posto era junto a escada do passadiço.

A luta era evidentemente desigual e nós ficaríamos sem dúvida em maus lençóis se não fosse a maior parte dos projeteis inimigos se perder na Palomera.
Com efeito, os famosos artilheiros de Brugez, ou pela altura da barranca, ou por que estivessem sendo dizimados pelos estilhaços de nossas bombas e pelas estilhas do arvoredo que os abrigava, mostraram-se incompetentes no seu ofício.
Entretanto, era visível o destroço que nosso fogo produzia, quer na esquadra, quer na bateria onde nenhum tiro se perdia.
A nossa metralha varria o convés dos navios mais próximos, nos quais cada bala rasa abria um rombo; ao passo que na barranca os nossos projeteis abriam claros na mata levando de rojo as arvores e até canhões...

O arvoredo que os mascarava e que devia ampará-los tornara-se um instrumento de destruição, pois cada árvore atingida fazia o efeito de uma terrível catapulta, arrasando tudo quanto encontrava em caminho.
Durante cerca de duas horas bombardeamo-nos mutuamente com furor; nós brasileiros no intuito de desalojar Mezza dessa fortíssima posição, e os paraguaios na esperança de nos meterem a pique.

Por volta de meio-dia e quando eu já tinha quatro homens fora de combate e uma porção de rombos no liso costado da Araguari, vi que lá em cima o Amazonas passara a frente do Jequitinhonha e virara águas abaixo.

Palavra de honra que já não era sem tempo essa manobra, pois até então as pequenas canhoneiras suportavam todo o fogo convergente do inimigo, enquanto as mais poderosas unidades se batiam quase fora do raio de ação.
Não te posso ocultar a estranheza que me sugeriu tal fato...

Assim pois, quando vi o Amazonas descer majestosamente entre a nossa linha e a inimiga a minha alma se expandiu; e, quando, ao aproximar-se descobri sobre o passadiço a figura de Barroso, ereto, impassível sob aquela saraivada de projeteis, de porta-voz em punho e acofiando com a mão esquerda a longa barba branca que flutuava ao vento... senti pela primeira vez entusiasmo por esse Chefe brusco e pouco comunicativo que nunca me inspirara, nem simpatia, nem confiança.

Em cartas anteriores te pus a par da incompatibilidade de nossos gênios e dos atritos dos quais se originara a nossa mutua antipatia, o que me levara a não me aproximar dele senão quando a isso era obrigado por assuntos de serviço militar.

Nesse momento, porém, ao vê-lo afrontar com esse ar sobranceiro o ambiente de morte em que nos debatíamos não pude me conter, e ao passar o Amazonas rente ao meu navio alcei o meu boné bradando com toda a força dos meus pulmões:

 

- Viva o Chefe Barroso!

 

Não creio que ele tivesse ouvido a minha saudação, tal o fragor da batalha, porém naturalmente percebeu o meu gesto, pois sorriu – o que eu via pela primeira vez – e chegando o porta-voz a boca bradou com voz forte e clara:

 

“Siga nas minhas águas que a vitória é nossa!”.

 

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