GURGEL ITAIPU
COM APENAS CINCO ANOS DE MERCADO, A GURGEL APRESENTOU O PRIMEIRO CARRO ELÉTRICO DA AMÉRICA LATINA
POR FABIANO PEREIRA | FOTOS: MARCO DE BARICarros elÉtricos jÁ existem desde o sÉculo 19. Eles nasceram quase que junto com o automÓvel de motor a combustão, em 1886, e duraram com relativo sucesso atÉ 1915, quando o estrondoso sucesso do Ford T ajudou a definir a receita que prevaleceria na indústria. Enquanto nos paÍses desenvolvidos a opÇão elÉtrica para carros sÓ era empregada em estudos futuristas, em 1974 o engenheiro paulista João Conrado do Amaral Gurgel concluiu seu pioneiro projeto de carro elÉtrico, o primeiro da AmÉrica Latina.
Com a crise do petrÓleo no ano anterior, houve desabastecimento e os preÇos dispararam. Haveria melhor momento para a apresentaÇão do Itaipu? O nome É uma homenagem à usina hidrelÉtrica na fronteira do Brasil com o Paraguai. O lanÇamento se deu no Salão do AutomÓvel de 1974. Gurgel programou despejar uma frota de 20 unidades pelas ruas de Rio Claro (SP), sede da fÁbrica, a partir de junho de 1975. Seria um teste tanto do carro quanto do sistema integrado de estacionamento e reabastecimento. Cada carro teria um local prÓprio para estacionar, onde o motorista encontraria um pequeno poste com a tomada para recarga. A fabricaÇão deveria comeÇar em dezembro de 1975 a um preÇo equivalente ao de um Fusca 1300 (22 577 cruzeiros, 28 809 reais em valores atualizados) em dezembro de 1974.
O Itaipu tinha a forma de um trapÉzio sobre rodas, com carroceria de fibra de vidro. Com 2,65 metros de comprimento por 1,40 de largura, poderia ser considerado um micromonovolume, se a definiÇão existisse na Época. Dentro hÁ lugar para duas pessoas, mas o acesso É dificultado pela falta de regulagem dos bancos. AtrÁs dos assentos, hÁ cerca de 1 metro de espaÇo, que pode levar a bagagem. O painel simples conta com velocÍmetro ao centro, ladeado por amperÍmetro e voltÍmetro, que indica a carga disponÍvel na bateria.
Existem diferenÇas entre o carro dirigido por QUATRO RODAS em janeiro de 1975 e o exemplar aqui mostrado. No primeiro, o volante era esportivo de trÊs raios, o que combinava com as rodas de magnÉsio "castelinho". Este usa o do BR800. TrÊs baterias ficavam na frente, duas atrÁs dos bancos e mais cinco na traseira. Nesta versão são dez atrÁs dos bancos, duas sob o assoalho e, para alimentar a parte eletroeletrÔnica, uma na frente. à direita do volante ficava a alavanca que definia qual direÇão seguir, para a frente ou para trÁs - ou ainda o ponto-morto.
O motor entre os eixos gera 3,2 kW, equivalente a 4,2 cv. Ele usa o sistema composto, que une dois tipos de motor de corrente contÍnua, os de enrolamento de campo em sÉrie e em paralelo. "Essa combinaÇão confere alto torque de partida, caracterÍstica dos motores elÉtricos de campo em sÉrie, e controle de velocidade uniforme, caracterÍstica dos motores elÉtricos de campo em paralelo", diz um engenheiro elÉtrico paulista integrante do grupo BR800, que reúne aficionados por Gurgel.
Como É de se esperar de um carro elÉtrico, o rodar impressiona pelo silÊncio. O Itaipu chega a cerca de 50 km/h. O tamanho facilita manobras e as frenagens seguram o carro sem surpresas. "Ele tem autonomia de 60 a 80 quilÔmetros", afirma o dono do exemplar destas fotos, um industrial do interior paulista que, como o engenheiro, preferiu não ser identificado.
Mesmo com o custo por quilÔmetro rodado da eletricidade sendo menos da metade do da gasolina, era mesmo a autonomia o maior problema do Itaipu. Com o peso e a capacidade limitada das baterias, alÉm do inconveniente de a recarga levar dez horas, o experimento de Gurgel não passou da fase de protÓtipo. Ainda que tenha sido apenas um ensaio, o pioneiro Itaipu sinalizou por aqui um caminho que foi negligenciado por dÉcadas. E que agora se mostra como uma das opÇÕes menos agressivas ao planeta.
Ficha tÉcnica
Gurgel Itaipu
Motor: central, longitudinal, elÉtrico de 3 000 watts/120 volts e 4,2 cv, com enrolamento de campo em sÉrie e paralelo
Transmissão: caixa de engrenagens de 1 velocidade
Baterias: 10 de 12 volts cada, ligadas em sÉrie
Carroceria: monovolume, 2 portas, 2 lugares
DimensÕes: comprimento, 265 cm; largura, 140 cm; altura, 145 cm; entreeixos, 162 cm
Peso estimado: 780 kg
Suspensão: Dianteira: independente, tipo McPherson, molas helicoidais e amortecedores. Traseira: barras de torÇão e amortecedores
Freios: a tambor com acionamento hidrÁulico
DireÇão: pinhão e cremalheira
Rodas e pneus: magnÉsio, aro 13 e tala de 6 pol; pneus 165X13
E400
Em 1981, o nome Itaipu e a traÇão elÉtrica voltariam a figurar no catÁlogo da Gurgel, na forma do furgão E400, que teve uma pequena sÉrie produzida. EvoluÇão do projeto original de 1974, tinha câmbio manual de quatro velocidades. O motor de 10 kW o levava atÉ 75 km/h. O E400 seria a base para o G800, furgão com motor VW.
Obs.: Fico pensando o quanto jÁ terÍamos tornado obsoleto os combustÍveis fÓsseis pra nossos veÍculos se "aquela" reunião do governo com Gurgel, em BrasÍlia, 1974, não tivesse acontecido...