Quando eu tinha uns 6 anos, fui com meus pais e meu irmão mais novo para mais um sábado passado na casa dos meus tios. A família do velho, bem grande, sempre se reunia lá.
Nesse dia o meu primo, da idade do meu irmão, levou todos os primos presentes para ver a coleção de modelos dele. Ficava num quarto extra, no segundo andar da enorme casa onde ele morava. Numa estante branca estavam uns 15 modelos, cuidadosamente dispostos. Tinha aviões e navios, e nenhum deles estava pintado, exceto por uma ou outra hélice lambuzada de preto. Mas pelo menos todos eles tinham os decalques aplicados com algum capricho.
Meu primo devia ter uns 5 anos na época, portanto não sabia montar kits ainda. E todos os modelos eram da Revell americana, então, ler as instruções em Inglês estava fora do alcance dele (A Revell do Brasil mal começara aqui). Quem montou aquilo tudo foi um tio postiço nosso, com tempo sobrando.
Apesar das montagens serem toscas, eu nunca tinha visto nada tão lindo antes em toda a minha curta vida. Foi paixão à primeira vista. Meu irmão e os outros priminhos não deram muita bola, mas eu não queria mais desgrudar daquelas prateleiras. Meu primo ficou furioso quando tentei pegar um dos modelos para examinar, e nunca, jamais, deixou que eu tocasse em nenhum daqueles tesouros. Até hoje nós rimos disso.
Essa agonia platônica levou alguns anos, até que numa noite de Natal, a família estava lá reunida naquela casa, para a ceia e a tradicional troca de presentes. Quando eu abri o presente que ganhei do primo, mal acreditei. Era o Mercer 1913, um dos primeiros kits da A. Kikoler lançados no Brasil. Já comentei sobre esse modelo no tópico do Ricardo P-40.
Eu nem quis mais saber de brincar com o resto da criançada, nem de comer e beber. Fui para um canto da casa e comecei a montar o meu primeiro modelo ali mesmo, na noite de Natal. As ferramentas foram os dentes e uma faca de cozinha (modelismo de macho é assim, anotem aí ). A cola vinha naquela bisnaguinha danada, e grudou peça, dedo, roupa, mesa, e o que mais estivesse na reta. Meu primo deu algumas dicas básicas, mas quem fez o trabalho pesado fui eu, e só eu. Uma hora depois, o modelo estava prontinho e todo torto, mas para mim, ficou matador.
Eu devia ter 9 ou 10 anos naquela noite, e já perdidamente viciado no hobby. Dali em diante, a minha mesada era gasta em kits. Eu vendi meus brinquedos, como o Autorama, o Forte Apache e muitos outros, a preços exorbitantes, para os garotos menores (e bobocas) da rua, para comprar vocês sabem o quê. O meu pai teve o carro mais bem lavado do bairro inteiro e eu cobrava dele 2 merréis pela lavagem, que por uma estranha coincidência, era o preço exato de um avião da Revell 1/72 no armarinho da esquina, vejam só.
Essa primeira fase durou até a minha adolescência, até que nós mudamos de bairro. Um dia eu entrei por acaso na loja do Maeda e foi um choque cultural muito sério.
Mas isso é papo para uma outra oportunidade.