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Amigos, depois de um longo e chuvoso inverno, volto a colaborar aqui no WK com mais uma traduÇão.

 

Como sempre, É um trabalho adaptado para a nossa lÍngua onde tento facilitar a traduÇão atravÉs da utilizaÇão de termos de nosso conhecimento comum.  Evito usar expressÕes da lÍngua inglesa de modo que a compreensão do texto fique mais clara.  É Óbvio que nem sempre consigo, mas o que importa É tentar chegar a um denominador comum.

 

E, tambÉm como É de tradiÇão, vou postando o assunto em tÓpicos para não tornar o texto muito longo e enfadonho.

 

Especificado isso, vamos ao que interessa:

 

A utilizaÇão de gases tÓxicos durante a Segunda Guerra Mundial nunca foi um evento plenamente difundido e utilizado.  RazÕes para isso não faltam e podemos citar como principal a prÓpria natureza do confronto que tinha como caracterÍstica maior a rapidez no deslocamento de tropas (consequÊncia direta da Blitzkrieg, a guerra relâmpago).

 

PorÉm, em 2 de dezembro de 1943 a explosão de um carregamento deste material deixou um rastro de destruiÇão e morte na cidade litorânea de Bari, na ItÁlia.  O texto a seguir foi retirado e adaptado a partir do livro “Day of Battle” do autor Rick Atkinson.

 

C O N T I N U A

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PARTE 1

 

Durante a campanha da Itália na Segunda Guerra Mundial, mais precisamente com a invasão aliada a partir da Sicília em 1943 e o desembarque em Salerno (perto de Nápoles) em 9 de setembro de 1943, o avanço país acima foi marcado por uma guerra de atrito.  O terreno montanhoso não propiciava a aplicação tática favorável ao uso de blindados e, mais ainda, permitia uma aplicação defensiva extremamente favorável aos alemães já que esses dominavam os pontos mais elevados.  O avanço dos ingleses e americanos (junto com um miríade de tropas aliadas) era construído através de um grande número de baixas aliado a um progresso medido em algumas dezenas (quando muito centenas) de metros a cada dia.

 

Quando da tomada do porto de Nápoles pelos aliados em 1º de outubro de 1943, a política alemã de terra arrasada foi aplicada de forma eficaz.  A destruição de sua infra-estrutura e o uso constante de bobby traps (armadilhas) fez com que toda a logística aliada sofresse com os atrasos, tornando ainda mais penoso o avanço em direção ao norte.  Por outro lado, a cidade e o porto de Bari no mar Adriático não tinham sofrido tal destino, de modo que esta se tornou rapidamente em uma opção para o descarregamento e envio do tão necessitado material em direção ao front.

 

Poucas cidades na Itália haviam escapado do inferno da guerra como a cidade de Bari, famosa por suas residências de teto plano e de paredes brancas.  Antes um ponto de embarque para os Cruzados que seguiam para leste, ela foi destruída por William o Mau, reconstruída por William o Bom e passou a se destacar com a chegada dos ossos de São Nicolau – que seria a fonte de inspiração para o Papai Noel – que foram roubados na Ásia Menor por pescadores de Bari no século XI.  Diz-se que também Bari foi o local onde a devoção de São Francisco para a castidade foi testada por uma tentação sedutora a qual foi repelida quando o santo homem ameaçou contra ela um braseiro de carvão quente. O historiador Horácio chamava a cidade “famosa por seus peixes” e tendas cheias de mariscos, ouriços do mar, sépias e ostras ainda podiam ser encontradas ao longo do quebra-mar aonde os pescadores batiam os polvos mortos contra as pedras para que a carne ficasse tenra.  Vendedores ambulantes empurravam seus carrinhos através das ruelas estreitas de Bari vendendo amuletos contra o olho gordo enquanto que na basílica os peregrinos, muitos desdentados, procuravam pela intervenção divina de São Nicolau.  Garis, puxando pequenas carroças, limpavam as sarjetas do lixo jogado durante a noite.    Um oficial e novelista britânico chamado Evelyn Waugh escreveu que, diferente de Nápoles, “os criminoso ágeis e habilidosos eram compostos, na maioria, de garotos”.   Em Bari o mais novo monumento era o Estádio Esportivo Bambino, construído por Mussolini como prêmio pela taxa, acima da média, de recém-nascidos homens em comparação com qualquer outra cidade na Itália.

 

Quando da sua libertação pelo Exército inglês, os soldados foram recepcionados com flores e discursos embora um major britânico testemunhasse que, durante a chegada do comandante britânico Montgomery em um jipe aberto, poucas almas entre os 250.000 habitantes “vieram recepcioná-lo já que para eles a novidade tinha acabado”.  Mas o mais importante era o seu porto que oferecia uma boa infra-estrutura para o descarregamento de mantimentos de toda ordem.

 

C O N T I N U A

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ARaguenet, boa noite.

Excelente iniciativa.

Esse é daqueles fatos que poucos conhecem sobre a Segunda Guerra e que os Aliados, especialmente os ingleses, procuraram manter escondido, alegando "questões de segurança".

Nesse mesma vertente também estão o Massacre da Floresta de Katyn e a grande contribuição da Resistência polonesa quanto ao roubo e envio para a Inglaterra de uma V1.

Vou ficar acompanhando.

Abs e um bom fim de semana para nós e nossas famílias.

Originally Posted by artemius111:

ARaguenet, boa noite.

Excelente iniciativa.

Esse é daqueles fatos que poucos conhecem sobre a Segunda Guerra e que os Aliados, especialmente os ingleses, procuraram manter escondido, alegando "questões de segurança".

Nesse mesma vertente também estão o Massacre da Floresta de Katyn e a grande contribuição da Resistência polonesa quanto ao roubo e envio para a Inglaterra de uma V1.

Vou ficar acompanhando.

Abs e um bom fim de semana para nós e nossas famílias.

Valeu artemius111.  Aproveitem!

 

Abrsssss,

A Raguenet

PARTE 2

 

E eles tinham o que descarregar.  Enquanto Nápoles voltava lentamente à sua condição, Bari provinha o principal porto de abastecimento para o 8º Exército Britânico bem como para a Força Aérea aliada que naquele momento construía quatro dúzias de campos de pouso tanto em Foggia quanto em outras localidades.  De modo a trazer os pesados bombardeiros para Foggia, era necessário o transporte marítimo de equipamento e mantimentos comparável ao abastecimento de duas divisões do Exército; para manter todos os aviões em condições operacionais, era necessário um esforço similar ao abastecimento de todo o 8º Exército britânico.  Por exemplo, para evitar a lama e pavimentar uma simples base aérea, eram necessárias 5.000 toneladas de placas perfuradas de aço.  Em 1º de dezembro de 1943, a recém-formada 15ª Força Aérea começou a operar o seu QG em Bari.  Seu comandante, um ex-boxeador peso galo, doutor em engenharia aeronáutica e detentor da Medalha de Honra, Major General James H. Doolittle, se mudou para um escritório no primeiro andar de frente para o mar onde antigamente era o Quartel-General da Força Aérea Italiana.

 

O trabalho de Doolittle era reforçar os ataques aos alvos dos bombardeios estratégicos tais como fábrica alemãs de aviões, refinarias, até então sob responsabilidade dos esquadrões americanos e britânicos baseados na Inglaterra.  Doolittle alegava que as condições climáticas na Itália seriam, no mínimo, melhores do que as experimentadas na Inglaterra, uma afirmação amargamente colocada à prova quando do cancelamento de metade das missões de bombardeamento em novembro devido ao mau tempo inclemente.  De qualquer maneira, os aliados dominavam os céus.  Os bombardeiros alemães de longo alcance realizaram apenas oito missões na Itália desde os meados de outubro.  Perto de 75% de todos os caças alemães tinham sido retirados em direção à Alemanha e os ataques aliados aos aeroportos inimigos tinham se tornado tão intensos que as incursões passaram a ser conhecidas como Dias de Festa no Reich.

 

Tão confiantes estavam os comandantes aéreos aliados que na tarde da quinta-feira, 2 de dezembro, o Vice Marechal do Ar Arthur Coningham  reafirmou aos jornalistas: “Eu vou interpretar como um insulto pessoal se a Luftwaffe tentar qualquer ação significativa nesta área”.

 

C O N T I N U A

PARTE 3

 

Enquanto Coningham lançava este desafio ao destino, o ancoradouro de número 29 no molhe mais afastado do porto de Bari estava sendo ocupado por um navio comum do tipo Liberty, o S.S. John Harvey.  Ele havia chegado há quatro dias em um comboio de nove navios cargueiros depois de uma odisseia que começara em Baltimore (EUA) e que incluía paradas em Norfolk (EUA), Orã (Argélia) e Augusta (Itália).  Porém, o que o diferenciava era o seu carregamento: 1.350 toneladas de bombas contendo uma toxina conhecida pelos químicos como sulfídeo de dicloroetil.  Para os especialistas do Exército era conhecida como HS, mas o nome mais comum era gás mostarda.  Vários oficiais militares do porto tinham conhecimento do carregamento do S.S. John Harvey mas, pelo fato de que outros navios tinham preferência, como os que transportavam suprimentos médicos e munição, ele ficou sem descarregar encostado quase casco a casco com outros 14 navios ancorados no Molo Nuovo.  Lanchas torpedeiras alemãs infestavam o mar Adriático mas os investigadores aliados mais tarde concluíram que “o navio, na época, estava no lugar mais seguro que poderia haver.”

 

Durante a campanha anterior, no Norte da África, nenhum depósito de gás tóxico alemão havia sido descoberto e o Quartel General das Forças Aliadas acreditava que o uso de gás pela Alemanha era “algo improvável” com exceção “em um momento crítico da guerra, quando uma utilização dessa natureza poderia se revelar decisiva”.  Mas Eisenhower (Dwight Eisenhower, Comandante Geral das Forças Aliadas na Itália - N. do T.) se perguntava se este momento não estava aproximando.  Baseado nas informações da inteligência italiana, ele avisou a Marshall (George C. Marshall, Chefe de Gabinete das Forças Armadas dos EUA - N. do T.), no final de agosto que Berlim havia “ameaçado que, se a Itália se voltasse contra a Alemanha, gás seria usado contra o país e a mais terrível vingança seria infligida” tanto como uma lição para os próprios italianos quanto para os outros e hesitantes aliados.  O Primeiro Ministro Inglês, Churchill, também havia avisado ao presidente norte-americano Frank D. Roosevelt sobre a situação em um memorando.  Os interrogatórios realizados pelo 5º Exército Americano junto aos prisioneiros indicavam uma intensificação nas preparações dos alemães para o combate químico e circulavam boatos sobre um novo gás potente e agressivo.  Um relatório do 5º Exército, no meio do mês de outubro, observava que “Muitos soldados do Exército Alemão dizem: ‘Adolf vai usar gás quando não houver mais saída’”.  Dezenove instalações na Alemanha eram suspeitas de fabricar gases venenosos enquanto que outras tantas estavam espalhadas pela Europa.

 

Vinte e oito tipos diferentes de gases haviam causado mais de 1 milhão de baixas durante a Primeira Guerra Mundial.  O primeiro aconteceu com o ataque alemão de gás de cloro em Ypres em 1915.  O próprio Hitler ficou temporariamente cego durante um ataque britânico de gás mostarda.  Esse era um líquido que produzia, em temperatura ambiente, um vapor que criava bolhas no contato com a pele e que atacava os olhos e as vias aéreas.  Nenhum comandante aliado em 1943 poderia se dar o luxo de ignorar uma ameaça alemã do uso de gás.  Motivados pelas recorrentes preocupações no Mediterrâneo, Roosevelt em agosto publicamente alertou Berlim de uma “retaliação intensa e rápida na mesma moeda” caso uma guerra química se desenvolvesse.  Há bastante tempo que a política aliada havia permitido o estoque de gás venenoso em grandes depósitos perto da cidade de Orã no litoral mediterrâneo da Argélia e também em outros lugares.  Quando o estoque de gás mostarda foi transportado por comboio na África, policiais militares acompanharam sentados nas carrocerias dos caminhões “de modo a avisar sobre algum vazamento de gás e, desse maneira, evitar qualquer perigo para a população nativa.”

 

Dessa maneira, para garantir a aplicação de uma “retaliação intensa”, o Quartel General das Forças Aliadas e o Departamento de Guerra dos EUA secretamente concordaram em estocar no Mediterrâneo uma quantidade de gás venenoso suficiente para ser utilizado por 45 dias e que incluía 200.000 bombas (como os alemães seriam atacados por uma arma que deveria permanecer secreta é uma questão que nunca foi satisfatoriamente explicada).  Com a aquiescência da Casa Branca, uma quantidade substancial desse material seria armazenada nos depósitos perto do front em Foggia começando com o envio do carregamento que estava a bordo do John Harvey enquanto que o sol se punha na tarde de quinta-feira.

 

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PARTE 4

 

Milhares de militares aliados e espectadores italianos assistiam, no estádio oval Bambino perto da estação de trem de Bari, o jogo de beisebol entre duas equipes de intendência que preparavam para se enfrentar no último tempo da partida sob a luz dos holofotes.  Os amantes do cinema enchiam as salas de projeção espalhadas pela cidade; o Porto Vecchio exibia Sargent York com Gary Cooper.  No refeitório inglês, em Molo San Nicola, uma cantora entoava canções para os oficiais saudosos de suas casas enquanto saboreavam gim.  Mulheres italianas retiravam água das fontes localizadas na Cidade Velha ou dependuravam massa fresca em varais para secar.  Luzes também brilhavam no topo dos guindastes no porto e ao longo dos molhes: um outro comboio havia chegado às 17hs30mins completando em 40 o número de navios ancorados enquanto que estivadores manuseavam gruas e ganchos.  Marinheiros mercantes terminavam o jantar ou ficavam deitados nas suas redes lendo e escrevendo cartas.  A bordo do S.S. Louis Hennepin marinheiros jogavam cartas.  No seu espaçoso escritório de frente para o mar, Jimmy Doolittle folheava os relatórios sobre uma recente missão de bombardeiros em Solingen (cidade alemã conhecida por sua produção de facas e lâminas – N. do T.); ao ouvir aviões sobrevoando acima, ele pensou que eram C-47 trazendo mais homens e equipamento para Bari.  Eram 19hs20mins.

 

Os dois primeiros aviões alemães largaram caixas de papelão contendo tiras de alumínio.  Conhecida como Window pelos aliados e Duppel pelos alemães, sua função era de dispersar e confundir os sinais de radar.  A tática afetou os holofotes guiados por radar dos aliados mas, no final, se revelou inócua: o principal radar do sistema de alerta, localizado no telhado do teatro na Via Victor Emmanuel, estava inoperante há vários dias.  Caças britânicos na suas patrulhas de rotina ao entardecer já haviam aterrissado.  As mensagens decifradas do Ultra revelara um interesse alemão pelo reconhecimento em Bari mas ninguém imaginava que Kesselring (Comandante em Chefe das Forças Alemãs na Itália - N. do T.) e seus subordinados da Luftwaffe haviam orquestrado um grande ataque ao porto de Bari de modo a retardar tanto o avanço do 8º Exército quanto a construção dos aeródromos em Foggia.  Três semanas depois, o chefe da Aeronáutica de Eisenhower diria: “Na ocasião, os riscos assumidos no porto de Bari estavam diretamente relacionados aos danos proporcionados”.  Para piorar a situação, um oficial britânico de alto escalão insistiu que seus artilheiros navais não abrissem fogo a não ser que fossem atacados primeiro.

 

O momento logo chegou.  Guiados pelas luzes do porto e pelos próprios sinalizadores, 20 bombardeiros JU 88 rugiam a uma altitude de no máximo 50 metros.  Algumas balas traçadoras subiram em direção aos sinalizadores no céu acima do porto mas os artilheiros, ofuscados pela claridade, optaram por atirar para onde vinha o barulho dos aviões.  As primeiras bombas caíram perto da Via Abate Gimma no centro de Bari.  Explosões em volta do Hotel Corona mataram tanto civis quanto militares.  Uma mulher gritava “Non voglio morire!” mas muitos morreram.  Perto da Piazza Mercantile uma casa ruiu em cima de uma mãe com seis filhos.  Os fãs de beisebol saíram em debandada pelos portões do estádio.  A porta do escritório de Doolittle foi aberta violentamente e as janelas se desintegraram.  Tirando a poeira do corpo enquanto as bombas explodiam no porto iluminado por sinalizadores, Doolittle comentou com outro oficial: “Estamos levando uma surra.”

 

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PARTE 5

 

O pior estava por vir.  Bombas romperam o oleoduto que armazenava petróleo no cais.  Um combustível flamejante era lançado através do porto e pelos molhes perseguindo os estivadores até o mar.  O navio Joseph Wheeler foi acertado em cheio e uma explosão abriu o casco a estibordo matando 41 marinheiros.  Outra explosão consumiu metade da ponte do navio John Bascom e a onda de choque fez com que os sapatos e relógios dos marinheiros fossem arrancados.  O carregamento de equipamento hospitalar e de combustível do Bascom entrou em combustão, queimando as correias na popa, deixando o navio à deriva e indo chocar-se com outro navio, o John L.. Motley que carregava 5.000 toneladas de munição e que já havia sido perfurado por uma bomba que atravessou a escotilha Nº 5.  Envolto em chamas, o Motley chocou-se contra o quebra-mar e explodiu, matando 64 marinheiros de sua tripulação e arremessando fragmentos de metal incandescente nas docas.  A detonação abriu um rasgo a bombordo do Bascom que ardia em chamas – “o navio não tinha qualquer chance” contou um tripulante – e gerou uma onda que cobriu o quebra-mar, lançando de novo na água aqueles marinheiros que tinham escalado o local vindos do mar.

 

Uma bomba explodiu nos deques inferiores do cargueiro britânico Fort Athabaska, matando 46 de uma tripulação de 56.  O navio Samuel J. Tilden, do tipo Liberty, foi atingido por uma bomba na casa de máquinas antes de ser metralhado tanto por aviões alemães quanto pelo fogo amigo vindo das baterias anti-aéreas localizadas na costa; um barco torpedeiro britânico logo afundou o cargueiro que estava à deriva, de modo a prevenir que ele incendiasse outros navios.  Duas bombas atingiram o cargueiro polonês Lwów, espalhando fogo pelo convés.  Meia hora após o início do bombardeio, o último avião alemão soltou as suas bombas e se dirigiu ao norte.  “Todo o cais estava em chamas”, relatou o marinheiro Warren Brandestein, “com fogo espalhado pela superfície da água e navios em chamas e explodindo.”

 

Entre as embarcações em chamas, estava o John Harvey com seu carregamento secreto, atracado no ancoradouro nº 29.  Logo após a explosão do Motley, o Harvey também explodiu de forma ainda mais violenta, matando seu capitão e 77 tripulantes.  Um chafariz de fogo subiu a 300 metros, varando o céu noturno e espalhando pelo porto uma chuva de destroços incandescentes que incluíam portas de escotilhas, carcaças de bombas e um guindaste que trespassou pelo casco de outro navio como um dardo.  A explosão partiu ao meio o cargueiro Testbank, matando 70 tripulantes e arrancou, de seus suportes, as escotilhas a bordo do U.S.S. Aroostook, que carregava 19.000 barris de combustível de 100 octanas.  Vidros despedaçaram a uma distância de 7 milhas (11km), incluindo os do Quartel General de Alexander (Harold Alexander, comandante do 15º Grupo de Exército – N. do T.), enquanto que telhas caíam dos telhados das casas em Bari.  Um vento ardente atravessou o porto –  “Eu senti como se estivesse explodindo e queimando por dentro”, relatou George Southern, um jovem oficial que estava em pé no castelo da proa a bordo do H.M.S. Zetland – seguido por outra onda gigantesca que quebrava ao longo do porto, espalhando detritos pelos molhes e encharcando os homens com água do mar, agora contaminada com sulfídeo de dicloroetil.  Um marinheiro a bordo do H.M.S. Vulcan descreveu “centenas de rapazes nadando e se debatendo desesperadamente, berrando e gritando por ajuda”.  Para outro marinheiro:  “Parecia como que o mundo todo estava em chamas”.

 

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PARTE 6

 

O horror se espalhou pela cidade.  Pessoas foram esmagadas enquanto corriam para os abrigos anti-aéreos; outras se afogaram quando do rompimento de um encanamento, que acabou inundando outro abrigo que estava com suas saídas bloqueadas por pedaços de mármore.  Uma jovem moça, presa nos destroços ao lado dos pais mortos, só conseguiu ser solta depois que médicos amputaram seu braço.  Soldados assistiam a uma missa noturna na igreja protestante quando as bombas levaram ao chão a fachada frontal, destruíram o púlpito e estraçalharam os bancos; recobrando a consciência, eles começaram a entoar “Se for para ser, meu Senhor, nós vamos a Ti cantando”.  Marinheiros mercantes e estivadores italianos mortos ficaram espalhados ao longo do quebra-mar ou boiavam de bruços na água poluída. Gritos rasgavam a noite, misturados com pedidos de socorro e estranhos trechos de um cântico.  O fogo encurralou 60 homens em um cais a leste, até que uma brava tripulação de um bote norueguês os transportou em segurança, às 23hs.  Cascos em chamas brilhavam grotescamente através da fumaça e de nuvens de vapor que cobriam o porto.  Explosões sacudiram o Muolo Novo durante toda a noite.  Observando a partir do beira-mar, Will Lang da revista Life escreveu no seu bloco de notas: “Muitas labaredas de chamas tal como se fosse uma floresta de fogo... Lá se vai outra munição do Monty (Bernard Montgomery, Comandante do 8º Exército Inglês – N. do T.)”

 

Dezessete navios foram afundados enquanto que outros oito foram seriamente danificados.  Nunca, desde Pearl Harbour, um ataque surpresa infligiu estrago tão grande em um porto aliado.  Médicos corriam ao longo do cais, distribuindo morfina, seringas e cigarros.  Lang registrou outra observação: “Tem muita gente morrendo por aqui.”.

 

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PARTE 7

 

Mais mortes aconteceriam, mortes estranhas e inexplicáveis.  Talvez a primeira pista foi a de um marinheiro ao perguntar: “Desde quando os americanos trazem alho para a Itália?”.  Outros perceberam o odor, tão característico do gás mostarda.  O H.M.S. Brindisi trouxe a bordo dezenas de sobreviventes cobertos pela água oleosa e, na manhã de sexta, havia uma epidemia de olhos inflamados e vômito na enfermaria e no tombadilho.  O navio Brista resgatou 30 sobreviventes e dirigiu-se para Taranto; no espaço de algumas horas, toda a tripulação estava praticamente cega e, apesar da grande dificuldade, conseguiram atracar o navio após a sua chegada no porto.

 

Vítimas inundavam os hospitais militares em torno de Bari, inclusive marinheiros que ainda usavam coletes salva-vidas, alguns sem as duas pernas.  “Ambulâncias chegavam aos hospitais berrando durante toda a noite”, escreveu uma enfermeira no seu diário.  Muitos, com feridas superficiais, eram enrolados em cobertores e encaminhados para o Lar dos Marinheiros Auxiliares ainda portando suas roupas encharcadas.  Um cirurgião chefe admitiu estar “consideravelmente confuso com as condições graves ao extremo dos pacientes que apresentavam feridas insignificantes”.

 

Ao amanhecer, as enfermarias estavam apinhadas de homens, incapazes de abrirem os olhos, “todos sofrendo e necessitando de tratamento urgente”.  Cirurgiões ficaram transtornados ao terem que operar com os olhos lacrimejantes.  Muitos pacientes apresentavam pulso fraco, baixa pressão sanguínea e letargia, embora a aplicação de plasma pouco ajudasse a melhorar.  Um médico escreveu: “Nenhum tratamento que nós aplicávamos parecia fazer efeito”.  As primeiras bolhas na pele apareceram na manhã de sexta-feira “grandes como balões e cheias de líquido”, descreveu uma enfermeira.  Centenas de pacientes foram diagnosticados com “dermatite N.A.D. – não ainda diagnosticada”.

 

Um cirurgião da Marinha Real Britânica, que estava no porto na noite de terça, relatou a respeito de boatos sobre gás tóxico mas, em meio ao caos, seu testemunho não conseguiu chegar às autoridades hospitalares.  Com o John Harvey no fundo da baía de Bari e com sua tripulação morta, poucos sabiam sobre o seu carregamento.  Aqueles que tinham conhecimento se reuniram às 14hs15mins na sexta-feira em uma conferência entre seis oficiais britânicos e americanos; eles concordaram que “para manter segredo, nenhum aviso geral por enquanto será enviado”.  Uma tonelada de alvejante seria despejada para desinfetar o quebra-mar no molhe nº 29 e avisos seriam erguidos com a inscrição: “Perigo – Gases”.

 

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PARTE 8

 

A primeira morte pelo gás mostarda aconteceu 18 horas após o ataque e logo outras seguiriam, cada uma “tão dramática quanto imprevisível”, de acordo com o médico do Exército enviado de Argel.  “Indivíduos que aparentavam estar em boas condições (...) no espaço de minutos ficavam moribundos e morriam.”  O sótão do 98º Hospital Geral virou um necrotério; casos perdidos eram encaminhados à chamada Ala da Morte, incluindo um marinheiro condenado que ficava gritando “Vocês ouviram aquela droga de explosão?”.  A morte do marinheiro Phillip H. Stone foi típica: depois de dar entrada no 98º Hospital Geral sem feridas visíveis mas encharcado pela água poluída, ele começou a desenvolver bolhas algumas horas depois e, às 09hs do sábado, estava inconsciente, “respirando com dificuldades.”  Às 15hs30mins ele recobrou a consciência, pediu por água, e “morreu de repente.” Uma autópsia apontou para “pele escura” e uma “epiderme de fácil remoção”, um pênis inchado ao extremo, lábios escuros e pulmões com “uma consistência particular, como de borracha”.  O marinheiro Stone tinha 18 anos.

 

Ao meio-dia de sexta-feira os médicos tinham quase certeza de que a “dermatite N.A.D.”, cujos sintomas variavam entre pele bronzeada e bolhas massivas, na real resultava da exposição ao gás mostarda.  Homens que acreditavam estarem permanentemente cegos, tiveram as suas pálpebras abertas à força até que “os pacientes se convenceram que realmente podiam enxergar”.  Mas o estrago já tinha sido feito.  Medidas simples que poderiam ter salvo vidas – despindo os pacientes expostos e dando banho neles – não foram adotadas antes que centenas passassem horas inalando os gases tóxicos de suas próprias roupas.

 

Mais de 1.000 militares morreram ou desapareceram em Bari.  Os hospitais militares contabilizaram pelo menos 617 casos confirmados de envenenamento pelo gás mostarda, incluindo 83 baixas aliadas, mas os investigadores reconheceram que havia “muitos outros dos quais nenhum histórico poderia ser levantado”.  Uma quantidade similar de civis italianos também morreu; o número exato permanece um mistério em parte pelo fato de que os médicos italianos não sabiam com o que estavam lidando.  “Sem um tratamento adequado”, uma testemunha relatou mais tarde, “os italianos sofriam sozinhos e morriam sozinhos”.  Durante dias, corpos vinham à tona no porto de Bari, muitos mordidos por caranguejos.  Cobertos pela bandeira Union Jack, eles eram transportados dali por caminhões e enterrados em trincheiras fúnebres, a cabeça de um voltada para os pés do outro.

 

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PARTE 9

 

Notícias sobre o ataque foram severamente censuradas.  Em 8 de dezembro o Quartel General das Forças Aliadas expediu um nota: “Para o bem do sigilo, todos esses casos foram diagnosticados como dermatite N.A.D.”  Em Argel, o reconhecimento público do ataque aéreo inimigo foi manifestado em uma brevidade digna de um haicai (Haicai é o nome dado a um tipo de poema japonês caracterizado por ser extremamente curto, em geral com três linhas – N. do T.): “Danos foram causados.  Houve uma quantidade de baixas.”  O Washington Post divulgou, no meio do mês de dezembro, sobre “o mais grave ataque desde Pearl Harbor” mas nenhuma menção ao gás foi feita.  Quando os repórteres perguntaram ao Secretário de Guerra, Henry L. Stimson, se as defesas aliadas foram relapsas, ele rebateu: “Não!  Eu não vou comentar sobre esse assunto.”  Um general britânico pertencente à equipe de Eisenhower escreveu para um colega em Londres: “Não há uma única pessoa que possa ser enforcada por causa deste episódio.”

 

Boatos de que os alemães usaram gás se espalharam, mas um especialista em guerra química mandado de Argel para Bari concluiu, ao final de dezembro, que o culpado era o gás mostarda a bordo do John Harvey, uma conclusão confirmada em março de 1944 por um comitê de investigação secreta indicada por Eisenhower.  O Comandante-em-Chefe preferiu ser evasivo: nas suas memórias do pós-guerra ele reconheceu o envio de gás mostarda para Bari mas afirmou que “o vento estava no sentido em direção ao mar e o vazamento de gás não causou mortes.” Churchill orientou que as referências ao gás mostrada fossem retiradas dos registros britânicos e todas as queimaduras sofridas em 2 de dezembro deveriam ser atribuídas à “ação inimiga”.

 

A extensão da catástrofe permaneceu oculta por anos.  Tornado público em 1959, o episódio permaneceu obscuro até 1967 quando o Instituto Naval dos EUA publicou um artigo acadêmico na sua revista Proceedings que foi seguido por um livro sobre o assunto em 1971 de Glenn B. Infield.  Autoridades britânicas por muito tempo negaram o carregamento do Harvey, mas o jornal Times de Londres, relatou em 1986 que 600 marinheiros britânicos contaminados em Bari receberiam uma pensão retroativa após o reconhecimento oficial de que eles haviam sido contaminados por gás mostarda.  Curiosamente, as autópsias em Bari promoveram uma descoberta vital para a quimioterapia moderna quando pesquisadores perceberam que o gás havia atacado as células brancas de sangue e o tecido linfático.  Logo após a guerra, dois farmacêuticos convocados pelo governo dos EUA demonstraram, primeiramente em ratos depois em tumores humanos, que uma variação do gás poderia tratar o câncer em glândulas linfáticas como na doença de Hodgkin.

 

Em dezembro de 1943, na cidade de Bari só havia sofrimento e desolação.  Milhares de refugiados, caminhando com dificuldades, deixavam a cidade carregando trouxas na cabeça, as cabras amarradas trotando atrás.  O porto permaneceria fechado por semanas e voltaria a funcionar na sua plenitude não antes de fevereiro de 1944.  O ataque de meia hora destruiu 38.000 toneladas de carregamento incluindo um vasto material médico e 10.000 toneladas de placas perfuradas de aço necessárias para as bases aéreas.

 

O sigilo aliado talvez tenha iludido o público, mas não enganou o inimigo.  “Estou vendo que os seus rapazes foram contaminados pelo seu próprio gás venenoso” zombou a Axis Sally (Axis Sally é o nome dado às mulheres radialistas que faziam a propaganda, em inglês, das potências do Eixo durante a Segunda Guerra Mundial.  Dessas, dois nomes se destacam: Mildred Gillars e Rita Zucca – N. do T.).  A Divisão alemã Hermann Göring e outras unidades intensificaram seu treinamento contra ataques com o uso de gás.  Um memorando do alto comando avisava: “Os Aliados podem lançar um ataque a gás a qualquer hora.”

 

F I M

Valeu R1cardo e artemius111.

 

Depois de ter traduzido o texto, apenas uma correção: o autor escreveu que foram 20 Ju88 que participaram do ataque.  Porém, em um pesquisa informal na internet, segundo outras fontes foram 105 Ju88, ou seja, 5 vezes mais (https://en.wikipedia.org/wiki/Air_raid_on_Bari).

 

Bem, fica a dúvida.

 

Abrassss,

A Raguenet

Originally Posted by artemius111:

ARaguenet, boa noite.

 

Basta seguir o link abaixo para uma filmagem sobre o ataque a Bari.

Bem interessante.

 

https://www.youtube.com/watch?v=4AlOXFwa4X4

 

Abs e novamente parabéns pela escolha do tema.

 

Pois é artemius111: para um ataque desta magnitude, os aliados fizeram um noticioso de 1 minuto.  Aparentemente, como diz no livro, a censura aliada foi eficaz mesmo...

 

E neste caso, a máxima "A primeira vítima de uma guerra é a verdade" (que foi cunhada pelo senador norte-americano Hiram Warren Johnson em 1918 embora outras fontes citem o escritor e poeta inglês Samuel Jonhson no livro The Idler de 1758 como o verdadeiro autor) permanece verdadeira.

 

Abrsssss,

A Raguenet

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A Raguenet, boa tarde.

Mais algumas imagens para ilustrar tua excelente postagem:

O porto de Bari quatro meses antes do ataque...

ScreenShot889

e a disposição dos navios no dia do ataque.

ScreenShot893

No dia anterior ao ataque

ScreenShot894

E no dia do ataque:

ScreenShot892

ScreenShot882

ScreenShot883

Abs.

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