Do site Hoje no mundo militar.
TBT 2019: A tecnologia Stealth debaixo da água
O submarino é um caçador silencioso por natureza, uma arma invisível no fundo das águas, podendo servir como meio de dissuasão, reconhecimento, ataque, escolta a forças navais, inserção de forças especiais, entre outras missões. Dentre suas características mais fundamentais está em poder ocultar-se do adversário e mover-se sem ser detectado.
Este artigo tem como objetivo abordar a história envolvendo a tecnologia utilizada por trás daquilo que é conhecido como submarino Stealth, sendo este resultado do revestimento especial empregado nos submarinos. Iremos visitar os períodos que mais marcaram a mudança na tecnologia Stealth empregada nos submarinos. Outras ações de detecção e despistamento passivos, tais como SOFAR (canal de som profundo), bem como as táticas de emprego utilizadas, deverão ser abordados em artigos futuros, ou pela consulta às referências deste artigo.
Notas:
- Embora os U-Boats sejam submersíveis e não submarinos, aqui iremos chamá-los de “submarino”, para fins didáticos. Dessa forma, pedimos antecipadamente a compreensão dos submarinistas e dos demais profissionais especializados na arma submarina.
- Este artigo tem maior foco nas tecnologias da segunda guerra, pois obviamente, a tecnologia atual ainda é classificada, logo sendo muito difícil ou impossível de se obter detalhes de cada aspecto.
Projeto Alberich
Durante a Segunda Guerra, com o aperfeiçoamento dos sonares e radares, ficaria evidente a forma com que os Aliados passariam a encontrar os submarinos alemães com maior precisão. Nem mesmo em maior profundidade, os U-Boats seriam capazes de se esconderem contra os ASDIC* (aparelhos de detecção ativa de som, precursores dos sonares). As baixas entre os U-Boats saltariam de 35 para 87 entre 1941 e 1942, e chegariam a 249 em 1944, isso em razão do aperfeiçoamento dos radares e maior cobertura aérea.
* ASDIC – Equipamento precursor do sonar, e que recebeu esse nome em função das iniciais da comissão encarregada de buscar uma solução para reduzir a ocultação dos submarinos alemães: “Anti Submarine Development Interaliee Comitee”.
Como resposta, a Kriegsmarine buscava um meio de tornar seus submarinos invisíveis contra as marinhas adversárias, e essa medida veio na forma do projeto Alberich (criatura mitológica com poder de invisibilidade).
Embora tenha sido testado em modelos anteriores, o Alberich foi utilizado em operação primeiramente no U-480. Um revestimento em borracha sintética (Oppanol) que teria como objetivo, absorver as ondas sonoras dos sonares ativos e atenuar os sons emitidos pelo próprio submarino, dificultando a identificação de sua assinatura acústica por meio de sonares passivos. Cada ladrilho anecoico utilizado no revestimento tinha 1m² e 4mm de espessura, dividida em duas camadas e possuída cavidades entre 2mm e 4mm para redução do eco dos sonares ativos. O formato das cavidades degradava a reflexão dos ASDIC, reduzindo o eco em até 15% para as frequências entre 10kHz e 18kHz (as mesmas utilizadas pelos sonares dos Aliados).
A sua fixação era dada através de cola adesiva no corpo do submarino. Existiam problemas conhecidos, como a fixação do revestimento durante as operações, problema esse que só seria corrigido em 1944, além de variar sua eficiência em decorrência da temperatura e profundidade da água. Além destes problemas, as cavidades presentes no revestimento aumentavam o ruído perante ao fluxo, além de gerar turbulência.
Apesar de o U-Boat U-480 ter sido afundado em 1945, durante sua operação, o resultado prático do revestimento pareceu ser bastante positivo, segundo o seu comandante Hans-Joachim Förster, que afundou 4 navios durante a suas patrulhas, creditou o Alberich como parte fundamental do seu sucesso durante uma perseguição de 7 horas no Canal da Mancha. Além disso, o U-480 é considerado o primeiro submarino Stealth da história.
Além do U-480, o Alberich foi utilizado em mais outras unidades, porém não em larga escala devido a escassez de matéria-prima que a Alemanha enfrentava. O revestimento ainda foi programado para ser utilizado em larga escala nos modelos tipo XXI, XXII e XXIII, contudo, estes modelos só foram introduzidos entre as últimas semanas da guerra.
Projeto Tarnmatte
Com a adição do snorkel**, a ração de ar da tripulação bem como a operação dos motores a diesel poderiam agora serem obtidas com o submarino mergulhado em profundidade onde fosse possível o emprego do periscópio – chamada “cota periscópica” – sem revelar o casco do U-Boat. Essa medida permitiu que os submarinos alemães atuassem em ambos os períodos diurno e noturno, pois não mais necessitavam emergir por completo para obter uma fonte de ar. Contudo, o snorkel ainda poderia ser detectado através do radar centimétrico que equipavam as aeronaves dos Aliados.
** Snorkel – Um dispositivo que permite que um submarino opere submerso enquanto ainda respira ar acima da superfície. Um conceito elaborado por engenheiros holandeses, foi amplamente usado em submarinos alemães durante o último ano da Segunda Guerra Mundial e conhecido por eles como Schnorchel. Em alguns meios é aportuguesado como esnórquel.
Como contra medida, os alemães revestiram a cabeça do snorkel com um composto de borracha sintética e óxido de ferro, chamado Buna, agora com espessura de 2 cm devido ao comprimento de onda dos radares. Este escudo seria chamado de Tarnmatte (revestimento de camuflagem), que permitia absorção de até 90% das ondas, assim reduzindo drasticamente a sua assinatura nos radares Aliados. Segundo os alemães, o Tarnmatte se mostrou melhor do que o Alberich na aplicação anti-radar.
Cabe ressaltar que os três submarinos da Classe “Humaitá” – classe “Oberon” inglês – adquiridos pela Marinha do Brasil nos anos 1970, tinham a sua válvula de admissão do snorkel coberta com placas de borracha, semelhantemente à tecnologia empregada pelos alemães no projeto Alberich. Essa válvula, de formato esférico, ainda pode ser vista hoje no Submarino-Museu “Riachuelo”, atracado no Espaço Cultural da Marinha, no Centro do Rio de Janeiro.
Akula
Os submarinos nucleares russos da classe Typhoon são conhecidos pelo seu tamanho e imponência. Embora esse ícone da Guerra Fria seja o maior submarino já construído, ele facilmente é capaz de se esconder nas geladas águas do oceano Ártico. Um dos fatores que permite sua furtividade é uma cobertura emborrachada conhecida como Akula (tubarão). Embora não se conheça a composição, o revestimento utilizado nesta classe de submarino é próximo aos 100 mm e permite uma redução da sua assinatura acústica em 10%.
A Engenharia da Furtividade
O principal mecanismo de atenuação sonora no revestimento vem da dispersão ressonante das ondas sonoras devido às cavidades de ar na borracha. As bolhas de ar trabalham para atenuar o som, agindo como osciladores ressonantes e dissipando a energia sonora através de perdas térmicas, perdas por atrito e outros processos. Para aplicações de revestimento anecoico em submarinos, as condições ao redor do aparelho mudam drasticamente com a profundidade submersa. Fatores como pressão variável, salinidade e temperatura afetam as propriedades acústicas da borracha e da água circundante.
O desenvolvimento de materiais é o fator-chave para revestimentos anecoicos. A relação entre os parâmetros químicos e o desempenho acústico devem ser determinantes. O material deve ser neutro, de modo a ter menos influência na flutuabilidade do submarino. A densidade de revestimentos anecoicos varia entre 1100 kg e 1500 kg por metro cúbico.
O desempenho acústico pode ser medido em tubos acústicos ou tanques com transdutores e hidrofones para determinar a reflexão, transmissão e absorção do material. Quanto a modelagem e desenvolvimento de materiais, os módulos de cisalhamento devem ser determinados para construir as curvas principais do material na faixa relevante de frequência, temperatura e pressão. Os módulos de cisalhamento e massa podem ser medidos com um DMTA (Análise Térmica Mecânica Dinâmica), com um equipamento de teste de laboratório para medir a transferência dinâmica, rigidez de montagens e medindo a velocidade longitudinal das ondas com ultrassom. As propriedades do material e sua dependência de pressão podem ser levadas em consideração em relação à frequência do alvo desejado.
O peso e volume adicionado pelo revestimento devem fazer parte do design do submarino. A deformação dos revestimentos anecoicos deverá alterar a flutuabilidade do submarino, que pode ser compensado com bombas e tanques de lastro.
O Futuro do Stealth
Embora o uso de revestimento anecoico ainda sejam utilizados largamente, ainda em tempos atuais problemas de fixação e ruído estão presentes. A perda do revestimento, além de comprometer a absorção dos sonares, também aumenta o ruído por conta da variação apresentada na superfície do casco. Nem mesmo o moderno submarino USS Virginia foi capaz de resolver o problema da perda do revestimento quando em operação.
Pesquisas atuais tentam encontrar uma forma de substituir os antigos ladrilhos por uma solução que não desprenda ou gere ruídos. Para tal, a Universidade de Michigan tem desenvolvido um revestimento super hidrofóbico (repelente de água), preenchido com bolhas vazias, que deverá ser aplicado como pintura na embarcação. Este novo revestimento deverá reduzir o arrasto, logo, diminuindo o consumo de combustível, aumentando a velocidade e produzindo menor ruído. O problema ainda está encontrar uma durabilidade viável para o uso.
Além da universidade americana, também há pesquisas sendo realizadas na universidade francesa de Paris Diderot, onde se tem examinado o uso microscópico de bolhas em revestimentos finos, o que eles chamaram de bubble meta-screen (tela de bolha). Os testes iniciais revelaram ser possível absorver mais de 90% da energia sonora, utilizando uma camada de apenas 230 mícrons de espessura. Contudo, para a aplicação em submarinos, estima-se uma espessura de 4mm, além de bolhas 2mm, mas sendo capaz de absorver até 99% do som propagado pelos sonares, e apresentando um fator de arrasto muito menor do que os revestimentos atuais.
A Furtividade na classe Riachuelo
Embora não se tenha informação se os novos submarinos da classe Riachuelo – derivados da classe Scorpène – receberão revestimento anecoico, sabe-se que os franceses oferecem este item como opcional. Entramos contato com a Marinha do Brasil através do canal de imprensa para obter maior informação sobre o revestimento, porém não houve retorno em tempo hábil.
As formas de casco e vela da classe Scorpène foram projetadas especificamente para produzir ruído hidrodinâmico mínimo. Os vários itens de equipamento são montados em suportes elásticos, que por sua vez são montados em blocos desacoplados e plataformas suspensas. O isolamento também oferece melhor proteção contra choques no equipamento.
Conclusão
A caçada silenciosa tem evoluída devido a novas tecnologias empregadas ao longo de anos de pesquisa de desenvolvido militar. O avanço do revestimento furtivo vindo desde a Segunda Guerra demonstra suma importância para a sobrevivência do submarino numa área de patrulha, ao atenuar o ruído da plataforma e absorver a energia sonora emitida pelo sonar inimigo.
Embora em tempos atuais os materiais empregados no revestimento do casco tenham evoluído, novas pesquisas demonstram resultados ainda superiores baseados em material super-hidrofóbico e de nanotecnologia, em termos de isolamento, bem como solução a problemas enfrentados desde o primórdio da tecnologia do revestimento, o arrasto e a perda de fixação.
Agradecimentos
Aqui deixo um grande agradecimento àquelas pessoas sem os quais esse artigo não seria possível. Francisco Novellino, pela sua revisão e profundo conhecimento na plataforma submarina. Renato Oliveira, por um grande apoio e incentivo em escrever este artigo.
Referências
Canal SOFAR https://oceanexplorer.noaa.gov...ics/media/sofar.html