P A R T E 11
Altos índices de mortalidade também afetavam a Wehrmacht e foi proposto que a função dos grupos primários nas linhas alemãs era moldada, por um lado, pela ideologia e, por outro lado, pelo medo. O medo também fez a sua parte no Exército Vermelho embora, de início, os soldados tivessem menos medo dos próprios oficiais do que dos canhões alemães os quais chegavam a paralisar sua capacidade de lutar. Ideologia também era uma figura central na vida dos soldados soviéticos. Eles foram moldados para se verem não meramente como cidadãos dentro de um uniforme, mas como a vanguarda consciente da revolução, a ponta de lança de uma guerra justa. Mas o quão efetivo a ideologia poderia ser para motivá-los e a maneira como ela conflitava contra crenças antigas, incluindo religião e as tradições nacionalistas, essa é uma questão aberta para debates. A retórica comunista talvez tenha contribuído em certos aspectos mas não é aceita de forma universal. Nem mesmo a presença de Stalin como um Deus. Durante a década de 1930 o nome de Stalin, em letras maiúsculas, aparecia em panfletos, jornais, e pôsteres em todos os lugares para onde o povo soviético olhasse. Seu rosto também pairava em jornais e panfletos durante o conflito e seu nome era escrito em bandeiras coloridas que eram amarrados entre bétulas para abençoar os encontros dos soldados a céu aberto. Mas alegar lealdade à onipresença de Stalin, ainda mais nas tropas no front de batalha, é uma outra questão. “Para falar a verdade” escreveu mais tarde o poeta Yury Belash, “nas trincheiras, a última coisa que a gente pensava era no Stalin.”
De certa maneira, foi o treinamento que ajudou a construir a confiança nos soldados diante da falha da ideologia em conseguir convencê-los e confortá-los. Em 1941 os recrutas soviéticos enfrentavam a força de combate mais profissional que o continente tinha visto. Em 1945, eles a derrotaram. Entre essas datas houve uma revolução na preparação dos soldados do Exército Vermelho, no pensamento militar, no uso e emprego da tecnologia e na relação do Exército com a política. Essas mudanças, um dos pontos fundamentais do triunfo soviético, afetou a vida de todos os soldados e muitos escreveram e falaram sobre elas. Para alguns, todo o processo era um incômodo especialmente quando, em homenagem ao fascínio soviético pelo estilo americano de gerenciamento, os métodos usados lembravam a preparação de uma linha de produção. Mas a maré mudou, Stalingrado resistiu, e o seu progresso nos dois anos seguintes sugeriu que os métodos de treinamento do Exército Vermelho eram cada vez mais eficientes. O quanto eles lembravam os métodos alemães, o quanto cada lado aprendeu com o outro é uma questão. Outra questão é o espaço para a retórica do partido e da crença comunista dentro de um dos campos mais técnicos.
Finalmente há o problema o qual toda fonte soviética permanece em silêncio. O trauma, no Exército Vermelho, era virtualmente invisível. Mesmo o custo cobrado pela guerra nas famílias dos soldados raramente foi discutido. Mas o impacto e a angústia de tudo aquilo que os homens presenciaram no front era praticamente um tabu. Podem haver poucos lugares mais terríveis do que Stalingrado, Kerch ou Prokhorovka e poucas visões mais perturbadoras do que os primeiras constatações das execuções em massa em Babi Yar, Maidanek ou Auschwitz. Mas as descrições oficiais não se pronunciam sobre trauma, stress de batalha ou mesmo depressão. Doenças mentais, mesmo entre as tropas, raramente são mencionadas nos relatórios médicos contemporâneos. Disfarçadas de doenças do coração, hipertensão ou distúrbios gástricos, elas ainda atormentam os relatórios dos hospitais do pós-guerra sem obter a atenção necessária. A questão não é se os soldados sofriam de stress e sim de saber como eles encaravam e lidavam com esta situação.
Atrelado a isso existe o problema de longa data que é a adaptação aos tempos de paz. Em quatro breves anos, os conscritos do Exército Vermelho se tornaram profissionais, guerreiros qualificados, conquistadores. Mas não havia muito espaço para qualidades como essas enquanto Stalin viveu. A volta para casa poderia ser tão confusa quanto as primeiras semanas de um soldado no seu novo uniforme, isso há muito tempo. Para muitos a confusão continuou por décadas. O processo de ajuste podia abranger problemas familiares, pobreza, depressão, alcoolismo, crime violento. Talvez a vitória final dos sobreviventes deva ser mensurada na sua idade avançada, nas suas conquistas mais comuns, ao compartilhar doces e chá, nos quadros dos netos, no cuidar dos tomates na horta da sua dacha. Este triunfo, o menos espetacular de todos mas o mais duradouro, é parte da singularidade desta geração, um aspecto da qualidade especial que aqueles alunos, que me ajudaram a escrever este livro, podiam sentir mas não conseguiam denominar.
F I M