No dia 28 de janeiro de 1987, uma quarta-feira, o jornal fluminense ‘O Globo’ publicou em primeira página a compra de caças de origem chinesa F-7M para equipar a Força Aérea Brasileira. O texto falava na aquisição de 60 a 110 aeronaves. O jornal deu o negócio como “praticamente fechado”.
Na verdade tudo começou em meados de 1985, quando a FAB estudava a possibilidade de complementar a sua frota de caças Mirage III e F-5, além de recompor perdas operacionais ocorridas ao longo do tempo. Não existiam Mirage III novos, pois a linha de produção estava encerrada. Por outo lado, a Northrop ainda produzia o F-5E, mas sua montagem deveria encerrar-se em breve. A companhia norte-americana acenou com a possibilidade da FAB adquirir o F-20 Tigershark, o mais novo produto da companhia.
Infelizmente não havia como adquirir aeronaves novas. O Ministério da Aeronáutica não tinha recursos financeiros para tal empreitada e o país atravessava uma década marcada por crises econômicas. Além disso, boa parte dos esforços do MAer estavam direcionados para o programa ítalo-brasileiro AMX e pouco sobrava para o recompletação dos caças. O jeito era buscar por aeronaves de segunda-mão.
O preço unitário de um Mirage III ou de um F-5E usado variava entre U$ 2,5 milhões e U$ 5 milhões. Ofertas de Mirage III vieram da Espanha (que colocava em atividade seus F-18) e da França (estoques da Força Aérea Francesa). Também foram oferecidos caças israelenses Kfir do modelo C-2 semelhantes aos adquiridos pelo Equador cinco anos antes (parte destes Kfir oferecidos ao Brasil foi comprado pela Colômbia poucos anos depois).
A maior dificuldade era em relação à compra de caças F-5E usados. Existiam milhares de F-5 espalhados pelo mundo, mas poucos queriam se desfazer deles. Algumas informações desencontradas diziam que até mesmo o Irã e o Vietnã haviam sido procurados. Mas a fonte mais provável de F-5 usados era o Chile, cujo governo ditatorial de Augusto Pinochet enfrentava embargo de armas dos EUA e, por esse motivo, tinha sua frota de F-5 com baixa disponibilidade. Porém, em meados de 1986 os acontecimentos tomaram outro rumo.
A história do J-7
A indústria de aviação na China começou em 1951 e, sete anos depois, foi criada a Chengdu Aircraft Industry Corporation (CAC). A CAC ficou responsável pela produção sob licença o caça MiG-21F, recebida em 1961 da URSS. O MiG-21F feito localmente foi designado J-7 (Jianjiji – caça) e no ocidente ficou conhecido como F-7. O primeiro J-7 com componentes chineses começou a ser montado em 1964, mas o programa foi afetado pelo início da “Revolução Cultural” e a produção foi transferida para Shenyang.
A produção voltou para Chengdu em junho de 1967 e o primeiro exemplar voou em 1969. A aeronave, identificada como J-7 I, entrou em serviço em junho de 1976, mas problemas de projeto e a baixa qualidade da linha de produção fizeram com que a aeronave fosse produzida em pequena quantidade. A fábrica passou a trabalhar no modelo J-7 II (J-7B) a partir de 1975. O J-7B incorporava algumas mudanças como um turbojato WP7B mais potente de 43,2 kN de empuxo seco.
O primeiro J-7II voou em dezembro de 1978 e, pouco tempo depois, esta versão entraria em operação na Força Aérea do Exército Popular de Liberação da China (FAELPC). O J-7II foi exportado para o Iraque (90 exemplares) e para o Sudão (22 exemplares) com a designação F-7B.
Ainda no início da década de 1980, o Ministério da Aeronáutica da China importou 100 conjuntos de aviônicos da companhia britânica GEC-Marconi para modernizar os J-7II da FAELPC. O programa foi cancelado, mas a companhia Chengdu decidiu dar prosseguimento às modificações dos J-7II de forma independente a partir de 1981.
Boa parte da aviônica original foi substituída por equipamentos de origem ocidental. Dentre eles, um HUDWAC (HUD associado a um sistema de pontaria computadorizado) composto por um radar de telemetria Type 226 Skyranger e um HUD Type 956. , radar-altímetro, novo IFF e novo radar de telemetria. Para absorver todos estes aviônicos, o sistema de geração de energia elétrica foi melhorado. Além disso, o avião recebeu um motor WP7B (BM) aprimorado, um pára-brisa mais resistente a choque com pássaros, trem de pouso reforçado e sonda do nariz reposicionada para o topo da tomada de ar.
O resultado foi um caça para exportação denominado F-7M. O primeiro vôo ocorreu em agosto de 1983. No ano seguinte começaram os esforços para exportá-lo, sendo que o nome “Airguard” só foi aplicado no início de 1986. Pode-se considerar que o programa obteve relativo sucesso, uma vez que mais de 160 aeronaves foram exportadas para países do Terceiro Mundo como Bangladesh, Irã, Mianmar e Zimbábue – em plena década de 1980!
A negociação
A confirmação oficial da negociação entre Brasil e China ocorreu no mesmo dia em que a matéria do jornal O Globo foi publicada. O então ministro da Aeronáutica, Octávio Moreira Lima, reuniu-se com o presidente José Sarney antes da divulgação da informação. Ma,s ao contrário do que havia sido noticiado pelo jornal ‘O Globo’, a compra não seria de 60 a 110 caças, mas de 30 aeronaves.
Conforme as informações foram surgindo, percebeu-se que não se tratava apenas de uma simples compra de prateleira. A eventual aquisição do “Airguard” fazia parte de um amplo acordo na área aeroespacial entre os dois países, envolvendo outros produtos. Especulava-se que o negócio envolveria a venda, ou até mesmo a produção sob licença, de alguns modelos de aeronaves da Embraer em território chinês como o EMB-120 Brasília e o EMB-312 Tucano.
De concreto mesmo foi a afirmação do ministro Moreira Lima de que existia “um mercado potencial extraordinário na China para os produtos brasileiros” e que “a cooperação aeronáutica e espacial poderia ser amplamente estimulada” através desta negociação.
Coube ao Ministério da Aeronáutica a realização das análises técnicas em relação à aeronave. Em novembro de 1986 uma equipe de militares da FAB esteve na China para avaliar a aeronave e um major-aviador chegou a voar com o F-7M. Dentre os itens analisados, além da performance em voo, estavam questões logísticas e operacionais. Na volta, o relatório sobre a aeronave ficou a cargo de dois pilotos, um de F-103 e outro de F-5. O documento recebeu parecer favorável da comissão técnica do COMGAP (Comando Geral de Apoio) no início de abril de 1987.
Entre os destaques positivos apontados, estavam a maneabilidade e a robustez da aeronave. Críticas foram feitas em relação à vida útil do motor e aos aviônicos antigos. Sobre o turbojato, uma modificação do motor soviético Tumansky R-11, este deveria sofrer uma revisão a cada 200 horas, com troca após 600 horas. Comparando a outros motores ocidentais, como o Atar 9C empregado pelos F-103 da FAB, o motor chinês possuia uma vida menor (600 horas contra 900 horas do propulsor francês), mas também era mais barato (algo como US$ 600 mil contra US$ 3 milhões).
O valor unitário de cada “Airguard” era estimado em US$ 5 milhões. Este valor estava próximo ao montante que a FAB esperava gastar com a compra de cada unidade de F-5 ou Mirage III usados. Mas o “pacote chinês” ainda incluía treinamento, assistência técnica, peças e subressalentes suficientes para três anos de operações e dois motores por aeronave adquirida, com transferência da manutenção dos mesmos para a empresa nacional CELMA (Cia. Eletromecânica de Aviação).
Após a confirmação da negociação pelo próprio ministro, Moreira Lima ainda informou que a divulgação do resultado final sobre as negociações com os chineses ocorreria em até seis meses. Na segunda-feira, dois de fevereiro, o porta-voz do Ministério da Aeronáutica, coronel Paulo Esteves, forneceu mais detalhes sobre a negociação e desmentiu a informação de que o negócio com os chineses tinha, como objetivo, pressionar os EUA para a venda de um novo lote de caças F-5 ao Brasil.
Questionada sobre o porquê do Brasil encontrar dificuldades em adquirir caças F-5 no exterior, a embaixada dos EUA, através do seu porta-voz Willian Carr, informou que não havia F-5 novos ou usados disponíveis nos Estados Unidos. A USAF, naquele momento, não pretendia se desfazer dos seus esquadrões ‘Agressors’, única fonte de F-5 naquela força.
Do outro lado do planeta, o jornal “Diário do Povo”, veículo oficial do Partido Comunista da China, veiculou em sua edição de 9 de abril de 1987 que as negociações para a venda do ‘Airguard’ ao Brasil estavam “progredindo sem quaisquer atritos” e que o governo de Pequim daria “todo o apoio à negociação”.
Reviravolta no caso
Enquanto o Brasil negociava com a China a compra de caças F-7M Airguard, mudanças ocorriam na Força Aérea dos EUA, principalmente no treinamento DACT (Dissimilar Air Combat Training). O F-5 era empregado nesses treinamentos como ‘aeronave adversária’, equipando alguns poucos esquadrões ‘Aggressors’, que simulavam tácitas e padrões empregados por aeronaves soviéticas. Suas dimensões e o seu desempenho tinham similaridades com o MiG-21.
Mas, na metade da década de 1980, uma nova família de caças soviéticos entrou em atividade e o MiG-21 foi perdendo importância. Estes novos aviões soviéticos possuíam um desempenho superior ao F-5 e a USAF passou a considerar a substituição dos mesmos como aeronaves ‘agressoras’.
Paralelamente aos estudos para a substituição do F-5 nos esquadrões ‘Aggressors’, as aeronaves passaram a apresentar graves problemas estruturais, ocasionados por intensos e seguidos treinamentos com elevada carga-G. Estes problemas agravaram-se ao longo do ano de 1987. Durante a investigação de um acidente com um Tiger II, constatou-se que a longarina superior da fuselagem da aeronave estava gravemente comprometida, sendo que a falha estrutural teria como causas a fadiga ou a corrosão.
Com base nesta investigação, toda a frota foi submetida a inspeções mais detalhadas. Como resultado, algumas aeronaves foram retiradas do serviço de imediato e outras receberam limitações quanto à carga-G. Ainda em 1987, a USAF deu início ao plano para retirar de serviço todos os F-5 até 1990. As aeronaves seriam armazenadas no deserto do Arizona ou transferidas para outros usuários. Surgiu assim a disponibilidade de caças F-5.
Os contatos entre os EUA e o Brasil para a aquisição destes F-5 foram feitos no final do ano de 1988. No início do ano seguinte, o Estado-Maior da Aeronáutica acertava os últimos detalhes para a aquisição de um lote de F-5 usados, provenientes da USAF, via FMS (Foreing Military Sales). A um custo de US$ 13,1 milhões, a FAB arrematou um lote de 22 F-5E e quatro F-5F. O ‘negócio da China’ feito com os EUA acabou encerrando a possibilidade do Brasil sonhar com o F-7M na FAB.
Fonte: aereo.jor.br